Nota prévia: centrando-se apenas na produção do século XX, esta é a primeira de duas publicações cujo texto é integralmente reproduzido das legendas da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa, que permanecerá no Pavilhão Preto do Museu de Lisboa - Palácio Pimenta até 25 de Setembro de 2016.
Esta mostra permite a rara oportunidade de ver exemplares de azulejaria outrora integrados em edifícios da cidade de Lisboa, salvos e preservados graças à acção de cidadãos, serviços e funcionários autárquicos, contribuindo para reforçar a evidência de que a cidade seria muito mais rica e interessante caso tivesse sido possível a conservação destas obras in situ.
Vale a pena continuar a tentar, começando pela visita a uma exposição motivadora.
Vale a pena continuar a tentar, começando pela visita a uma exposição motivadora.
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O Museu de Lisboa dispõe de uma vasta coleção de azulejaria que, pelo número, variedade e qualidade dos exemplares, se afirma como uma das mais importantes do país, constituída, sobretudo, por azulejos provenientes de edifícios demolidos ou remodelados, de prédios em ruínas ou de intervenções arqueológicas
Tendo por objetivo dar a conhecer tão importante acervo, a presente exposição, comissariada por José Meco, um dos mais reputados especialistas nesta área, procura mostrar alguns dos melhores exemplares da coleção do Museu de Lisboa numa perspectiva diacrónica, desde o século XVI até à atualidade, exibindo exemplares, tanto de interior como de exterior, representativos de diferentes estilos e funcionalidades.
Exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa. © CMP |
No início do século XX, as manifestações eclécticas e românticas do período anterior foram renovadas através de duas tendências dominantes, a Arte Nova, adoptada pela burguesia ligada ao comércio e indústria, presente na decoração das lojas (como a Casa Gomes Ferreira, na Baixa), e uma produção de tendência nacionalista e historicista, favorecida pelas camadas mais tradicionalistas e conservadoras, desenvolvida por Pereira Cão, Enrique Casanova, Leopoldo Battistini e Jorge Colaço, o principal mentor desta corrente.
Vista parcial da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa. © CMP |
O painel de azulejos, Por minha prima, com moldura original, é uma obra de Jorge Colaço (1868-1942) e foi realizado na Fábrica de Loiça de Sacavém, c. 1916.
Composição de cariz historicista em pintura policroma, com emolduramentos em madeira com ornatos neogóticos, que constituiu presente do pintor Jorge Colaço a uma prima, Jeanne Schmidt Lafourcade Rey Colaço (1858-1957), quando do seu casamento com o médico Leonardo de Sousa de Castro Freire. A noiva era filha do pianista e compositor Alexandre Rey Colaço, irmã da actriz Amélia Rey Colaço e mãe do arquitecto Leonardo Rey Colaço de Castro Freire. O painel representa um cavaleiro cristão, medieval, empenhando uma flor na mão direita e o escudo com a divisa "Por Minha Prima" na mão esquerda. A cena tem por fundo uma paisagem com castelo e uma ponte. Dois pequenos painéis heráldicos referentes aos noivos, com os nomes "Leonardo" e "Jeanne", ladeiam a composição.
Nos azulejos realizados até 1923 na Fábrica de Sacavém, com placas de "pó de pedra", Colaço, pintou sobre o vidrado incolor já cozido, obtendo assim efeitos aguarelados esbatidos, muito característicos da primeira fase da sua produção artística, que divergem da pintura tradicional do azulejo.
Jorge Colaço - Painel, Por minha prima, Fábrica de Loiça de Sacavém, c. 1916. © CMP |
Jorge Colaço - Painel, Por minha prima, Fábrica de Loiça de Sacavém, c. 1916, detalhe. © CMP |
Júlio A. César da Silva - painel publicitário, Fábrica de Loiça de Sacavém, inícios do século XX. © CMP |
O painel de azulejos Arte Nova, de cariz publicitário, realizado na Fábrica de Loiça de Sacavém, por Júlio A. César da Silva, no primeiro quartel do século XX, realiza uma alegoria à electricidade, representada por uma figura feminina, de pé, assente sobre globo terrestre, empunhado uma lâmpada com a mão direita levantada.
Encontrava-se aplicado na fachada de um estabelecimento comercial de artigos eléctricos, já destruído, na Rua Áurea, em Lisboa, apresentando em cima a legenda do nome da loja: Júlio Gomes Ferreira & Cª.
Este tipo de composições em azulejo foi frequente nos finais da centúria de oitocentos e primeiras décadas do século seguinte, período durante o qual pequenos industriais e comerciantes, através de uma hábil aliança entre a linguagem decorativa e publicitária procuravam atrair clientes aos seus estabelecimentos e transmitir, em simultâneo, uma nota de urbanidade e modernidade. Entre as lojas que então recorreram a este género de painéis (algumas já desaparecidas ou que mudaram de ramo), destacam-se a leitaria A Camponeza, o Animatógrafo do Rossio, a Padaria Inglesa e o Café Royal.
Júlio A. César da Silva - painel publicitário, Fábrica de Loiça de Sacavém, inícios do século XX, detalhe. © CMP |
Júlio A. César da Silva - painel publicitário, Fábrica de Loiça de Sacavém, inícios do século XX, detalhe. © CMP |
Júlio A. César da Silva - painel publicitário, Fábrica de Loiça de Sacavém, inícios do século XX, detalhe. © CMP |
Vista parcial da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa. © CMP |
Conjunto de painéis, realizados na Fábrica de Cerâmica Constância, em 1905, que constituíam parte da decoração exterior da frente do antigo Café Royal, fundado em 1904. As composições figurativas, em azul de cobalto, estão assinadas P. Bonnatove (?) e representam: ambiente interior de café, com personagem sentada a uma mesa; figura feminina, subordinando legenda com anúncio (Água Castelo). As cenas estão envolvidas por cercaduras, relevadas policromas, Arte Nova, da autoria de Viriato Silva, que faziam o contorno dos vãos das portas, integrando vides, parras, cachos de uva, formando nos remates superiores de cada porta, ao centro, uma cabeça feminina.
Este estabelecimento, que se situava na esquina da Praça Duque da Terceira para a Rua do Alecrim, possuía uma das mais belas fachadas de Lisboa, em azulejos daquela corrente estética.
P. Bonnatove e Viriato Silva - painéis da fachada do antigo Café Royal, Fábrica Constância, 1905. © CMP |
Composição figurativa, em cores quentes e de expressão sensual, características da estética Arte Nova, representando seis figuras masculinas, com contornos definidos, nuas da cintura para cima, trabalhando numa fundição. A peça estava aplicada no frontão de uma oficina de fundição, destruída, situada na Rua dos Remédios à Lapa, em Lisboa, e fazia par com uma outra, similar do ponto de vista técnico e decorativo, alusiva a uma forja. Este painel foi realizado por José António Jorge Pinto (1875-1945), principal pintor de azulejos Arte Nova, na Fábrica de Campolide, em 1906.
José António Jorge Pinto - painel A Fundição, Fábrica de Campolide, 1906. © CMP |
As Arts Déco triunfaram na Europa no final da 1ª Guerra Mundial, em 1918, mantendo-se durante duas décadas e substituindo a liberdade formal da Arte Nova por motivos mais depurados e geometrizados, de excelente design, cuja essência é mais gráfica do que volumétrica. Para além da vasta produção de azulejos aerografados da Fábrica de Loiça de Sacavém, destacaram-se as criações da oficina de azulejos da Fábrica Lusitânia, ao Arco do Cego em Lisboa, dirigida por António Costa, onde o discreto relevo utilizado na separação das cores planas era obtido através de tubagem, como nos exemplares expostos, provenientes da fachada da loja da própria fábrica.
Oficina de António Costa - placa toponímica e painéis da antiga loja da Fábrica Lusitânia, c.1930-39. © CMP |
Silhares de azulejos policromos de estilo Arts Déco, formando composições geometrizantes. Foram decoradas através de tubagem (tubelining), técnica exclusivamente utilizada em Portugal pela Fábrica de Cerâmica Lusitânia, que consistia na aplicação com bisnagas, de barro líquido que caia em fio sobre a chacota, formando desse modo os limites relevados das decorações que eram seguidamente esmaltadas, sugerindo de certa forma as antigas técnicas hispano-mouriscas da aresta.
Estes exemplares, criados na oficina de azulejos dirigida por António Costa naquela unidade fabril, c. 1930-39, constituíam parte da ornamentação da fachada da loja da Fábrica Lusitânia, na Rua do Arco do Cego, Lisboa, servindo de suporte informativo ao tipo de materiais ali comercializados. O primeiro integra a legenda GRÉS/ REFRATÁRIOS, enquanto o outro, fazia a separação entre os artigos publicitados. Foram recolhidos pelo Museu da Cidade, em 1988, aquando da demolição da fábrica.
Estes exemplares, criados na oficina de azulejos dirigida por António Costa naquela unidade fabril, c. 1930-39, constituíam parte da ornamentação da fachada da loja da Fábrica Lusitânia, na Rua do Arco do Cego, Lisboa, servindo de suporte informativo ao tipo de materiais ali comercializados. O primeiro integra a legenda GRÉS/ REFRATÁRIOS, enquanto o outro, fazia a separação entre os artigos publicitados. Foram recolhidos pelo Museu da Cidade, em 1988, aquando da demolição da fábrica.
Oficina de António Costa - painel da fachada da antiga loja da Fábrica Lusitânia, c.1930-39. © CMP
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Oficina de António Costa - painel da fachada da antiga loja da Fábrica Lusitânia, c.1930-39. © CMP
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Oficina de António Costa - painel da fachada da antiga loja da Fábrica Lusitânia, detalhe, c.1930-39. © CMP
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Oficina de António Costa - painel da fachada da antiga loja da Fábrica Lusitânia, detalhe, c.1930-39. © CMP
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Fred Kradolfer (1903-1968) foi precursor em Portugal do design gráfico, tendo a sua actividade estendida desde as artes gráficas ao vitral, à cerâmica e à publicidade.
Kradolfer é o autor do revestimento azulejar da Confeitaria de Santos, executado na Fábrica de Sant'Anna, Lisboa, e meados do século XX. Composição de feição bastante gráfica, organizadas de modo seriado, alternando três azulejos diferentes: um com uma barca e os corvos (Armas de Lisboa) sobre um fundo de linhas paralelas, simulando ondas; outro, só a repetir essas linhas; e o restante, com simplificadas volutas, enquadrando traços arqueados, dispostos na vertical e que intercalam silhuetas de aves. Os dois exemplares, ambos em verde e vermelho, mas com as cores trocadas entre si, encontravam-se a revestir uma confeitaria na zona de Santos-o-Velho.
Fred Kradolfer - azulejos da antiga Confeitaria de Santos, Fábrica de Sant'Anna, meados do Séc. XX. © CMP
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Fred Kradolfer - azulejos da antiga Confeitaria de Santos, Fábrica de Sant'Anna, meados do Séc. XX. © CMP |
Fred Kradolfer - azulejos da antiga Confeitaria de Santos, Fábrica de Sant'Anna, meados do Séc. XX. © CMP |
Vista parcial da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa. © CMP |
Continua em: Azulejaria moderna na exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa II
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