sábado, 23 de julho de 2016

Azulejaria moderna na exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa II


Continuação de: Azulejaria moderna na exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa I

Nota prévia: centrando-se apenas na produção do século XX, esta é a segunda de duas publicações cujo texto é integralmente reproduzido das legendas da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa, que permanecerá no Pavilhão Preto do Museu de Lisboa - Palácio Pimenta até 25 de Setembro de 2016. 

Esta mostra permite a rara oportunidade de ver exemplares de azulejaria outrora integrados em edifícios da cidade de Lisboa, salvos e preservados graças à acção de cidadãos, serviços e funcionários autárquicos, contribuindo para reforçar a evidência de que a cidade seria muito mais rica e interessante caso tivesse sido possível a conservação destas obras in situ
Vale a pena continuar a tentar, começando pela visita a uma exposição motivadora.  



§ § §



Após um breve interregno que sucedeu à Exposição do Mundo Português, em 1940, o azulejo reapareceu associado às novas tendências da arquitectura moderna de expressão internacionalista, em grande parte devido à abertura a artistas jovens, da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, dirigida por Mestre Eduardo Leite. À obra de pendor figurativo de Jorge Barradas, desenvolvida a partir de 1945, sucedem-se criações modernas muito variadas, como as seriadas de Fred Kradolfer (ver publicação anterior) e Hansi Staël, ou a associação de sugestões figurativas e de formas geométricas livres, admiravelmente conjugadas por Maria Keil no painel da Avenida Infante Santo (fragmento exposto) ou nas decorações das estações iniciais do Metropolitano de Lisboa.



Jorge Barradas - Talhas com temas de Lisboa, Fábrica Viúva Lamego, 1947. © CMP



Par de talhas com temas de Lisboa, da autoria de Jorge Barradas (1894-1971), executado na Fábrica Viúva Lamego, em 1947.
Peças cerâmicas de cariz decorativo, com pintura de acentuada delicadeza representando figuras populares de Lisboa, designadamente as vendedoras ambulantes de flores e fruta, tendo por fundo casario típico, afins de litografias com a mesma temática e inspiradas em ilustrações do autor na primeira fase da sua carreira. As tampas são rematadas com a modelação de um dos símbolos presente nas armas da cidade: a barca.
Estes exemplares foram encomendados para a decoração de algumas salas (República e Rosa Araújo) do edifício dos Passos do Concelho, aquando das comemorações do oitavo centenário da conquista de Lisboa aos mouros. 



Jorge Barradas - Talha, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1947. © CMP



Jorge Barradas - Talhas com temas de Lisboa, Fábrica Viúva Lamego, 1947. © CMP



Jorge Barradas - Talha, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1947. © CMP



Jorge Barradas - Talha, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1947. © CMP



Jorge Barradas - Talha, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1947. © CMP



Jorge Barradas foi um dos mais destacados precursores da cerâmica moderna em Portugal, nomeadamente a partir da primeira exposição de azulejos e cerâmicas, realizada no Palácio Foz (SNI) em 1945, na qual o painel abaixo reproduzido foi apresentado. No exemplar, Barradas parece ter sido inspirado em alguma pintura italiana do Quattrocento.
Este painel representa a Virgem Maria ofertando um fruto ao Menino ao seu colo. O tema surge sobre um fundo de árvores e casas, sendo envolvido por uma cercadura estilizada com vasos, ramagens floridas e um par de pássaros, na parte superior, ao centro.



Jorge Barradas - Virgem com Menino e Fruto, Fábrica Viúva Lamego, 1945. © CMP


Jorge Barradas - Virgem com Menino e Fruto, Fábrica Viúva Lamego, 1945. © CMP



Painel mural O Mar (fragmento) da autoria de Maria Keil (1914-2012), proveniente da Avenida Infante Santo, Lisboa. Executado na Fábrica Viúva Lamego, em 1958-59.
Composição parcial de um painel de formato rectangular, de grande dimensão, que constitui um dos referentes da obra de Maria Keil e da azulejaria moderna portuguesa. Representa um pescador de pé, a exibir um barco à vela e com uma criança ao colo, tendo como fundo outras embarcações do mesmo tipo. Toda esta figuração joga de maneira conexa e notável com as formas geométricas, as quais são constituídas a partir de uma matriz de losangos e fusos que variam com excepcional elasticidade de escala e proporção ao longo do painel, criando, por sua vez, uma malha que sugere as redes da faina da pesca.
O programa decorativo, de forte pendor geométrico, conjugava-se de forma admirável com o suporte arquitectónico onde se encontrava aplicado, de tal forma que, uma extensa escada que o atravessava, diagonalmente, era assimilada pela composição decorativa do painel, não constituindo elemento estranho ou intromissor.
Na Avenida Infante Santo, no muro onde estava o painel original (de que faz parte o fragmento exposto), foi colocado nos inícios deste século, uma réplica, feita a partir dos cartões originais da artista e produzida pela mesma fábrica, a Viúva Lamego.



Maria Keil - Fragmento do painel O MarFábrica Viúva Lamego, 1958-59. © CMP



Maria Keil - Fragmento do painel O Mar, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1958-59. © CMP



Maria Keil - Fragmento do painel O Mar, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1958-59. © CMP



Vista parcial da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa. © CMP



Azulejos de padrão criados por Hansi Staël (1913-1961) para o Hotel Ritz, executados na Fábrica de Sant'Anna, c. 1957-58.
Padronagem moderna inspirada nas antigas composições de azulejo ponta de diamante. A decoração a azul, a verde, a roxo, a amarelo e a negro, em contraste com o esmalte branco, é realizada através de dois azulejos iguais, que se intercalam. organizando dessa forma pirâmides com e sem truncagem no vértice. Este padrão é conhecido por Ritz, por ter sido utilizado no bar do hotel com aquele nome, em Lisboa.



Hansi Staël - Detalhe do padrão Ritz, Fábrica de Sant'Anna, c. 1957-58. © CMP


Padrão formado por quatro azulejos diferentes, em tons predominantes de verde e amarelo, dando origem a uma composição dinâmica e geométrica, característica do início do movimento moderno em Portugal, no qual a artista Hansi Staël, de origem germano-húngara, teve um papel assinalável.
Este padrão foi concebido como ensaio para a decoração do revestimento da fachada norte do Hotel Ritz, em Lisboa e rejeitado, tendo a versão definitiva o mesmo desenho, mas com a substituição da cor verde por azul.


Hansi Staël - Ensaio de padrão para o Hotel Ritz, Fábrica de Sant'Anna, c. 1957-58. © CMP



Vista parcial da exposição Fragmentos de Cor | Azulejos do Museu de Lisboa. © CMP



Painel da antiga Livraria Ática, na Rua Alexandre Herculano, em Lisboa. Da autoria de José de Almada de Negreiros (1893-1970), executado na Fábrica Viúva Lamego, em 1955.
Painel decorativo em pintura policroma, que revestia a parede defronte da entrada da antiga Livraria Ática. Apresenta diversas figuras que reflectem a excepcional expressividade dos desenhos do autor. Ao meio da composição, a cena maternal num pequeno espelho de água.


Almada Negreiros - Painel da antiga Livraria Ática, Fábrica Viúva Lamego, 1955. © CMP



Almada Negreiros - Painel da antiga Livraria Ática, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1955. © CMP


Almada Negreiros - Painel da antiga Livraria Ática, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1955. © CMP



Almada Negreiros - Painel da antiga Livraria Ática, detalhe, Fábrica Viúva Lamego, 1955. © CMP



Painel de azulejos, Alto de Santa Catarina, da autoria de Manuel Cargaleiro (n. 1927), realizado na Fábrica Viúva Lamego, em 1969.
Painel policromo constituído por azulejos decorados individualmente com signos de cariz geometrizante e abstracto. É comum na obra do artista as composições recriarem aspectos e/ou sensações derivadas da malha urbana da cidade. 



Manuel Cargaleiro - Painel Alto de Santa Catarina, Fábrica Viúva Lamego, 1969. © CMP 


Maqueta da decoração em azulejos, em arte final (1993), do projecto para a cozinha de um apartamento na Rua dos Correiros, em Lisboa, ilustrando o projecto de revestimento de azulejos, da autoria de Querubim Lapa (1925-2016), realizado em 1988.
Na decoração, as paredes transformam-se num palco do imaginário associado à comida, com integração de cenas irónicas. Sobre o lava-loiça, uma figura masculina, de pé, quase totalmente envolvida por diversos tipos de peixes, assenta num plano aquático cuja linha do horizonte é recortada por barcos. No lado contrário, uma figura feminina, encontra-se coberta por frutos da terra, numa recriação de Pomona, a deusa da abundância e dos pomares. Vitualhas diversas surgem penduradas, como peixes (um deles fumando cachimbo) e carnes, respectivamente, sobre a chaminé e sobre um armário. Os aspectos divertidos ganham particular expressão nas representações debaixo de uma janela, com uma raposa sentada, tocando flauta junto de galináceos. Na profusão decorativa da complexa e irreverente composição, que não se esgota na descrição, Querubim remete para tradições iconográficas ligadas ao azulejo e à cozinha tradicional, percebendo-se influências das figurações híbridas maneiristas conciliadas aos excessos do barroco.


Querubim Lapa - Maqueta para cozinha, 1993, projecto executado da Fábrica Viúva Lamego, 1988. © CMP


Painel Cais das Colunas, realizado por Querubim Lapa nas oficinas da Escola António Arroio, em Lisboa, 1991.
Composição de azulejos cuja decoração foi obtida pela antiga técnica de aresta moldada, revestidos de vidrado de cor verde, corado com óxido de cobre. Representa linhas ondulantes na base, alusivas ao Rio Tejo, as duas colunas do cais do Terreiro do Paço e, distribuídas aleatoriamente, esferas armilares de duas dimensões, evocando o emblema do rei D. Manuel (1469-1521) que este mandou gravar em azulejos sevilhanos, nos inícios de Quinhentos, para decorar o Paço Real de Sintra.



Querubim Lapa - Painel Cais da Colunas, oficina da Escola António Arroio, 1991. © CMP



Querubim Lapa - Painel Cais da Colunas, detalhe, oficina da Escola António Arroio, 1991. © CMP



Painel cerâmico realizado pelo mesmo autor, nas oficinas da Escola António Arroio, em 1992, revela a capacidade criativa de Querubim Lapa, autor de uma obra múltipla que se revela tanto do ponto de vista técnico como em termos imagéticos. 
A composição é em grande parte formada por dois azulejos diferentes que insinuam perfis anatómicos e se repetem, alternando em xadrez. 
Esta matriz é alvo de um jogo de nuances ao nível da textura, cor e brilho dos vidrados, de beloe feito plástico, metamorfoseando-se, na parte superior do painel, ao centro, na silhueta de uma cabeça humana representada de perfil.


Querubim Lapa - Painel relevado, oficina da Escola António Arroio, 1992. © CMP



Querubim Lapa - Painel relevado, detalhe, oficina da Escola António Arroio, 1992. © CMP






Sem comentários:

Enviar um comentário