Maria Keil (1914-2012) a mais multifacetada artista do Modernismo em Portugal, vê finalmente a sua obra exposta de modo abrangente, ainda que não exaustivo, na mostra "De propósito, Maria Keil, Obra Artística".
A selecção de trabalhos inclui peças representativas das múltiplas áreas disciplinares exploradas pela artista: pintura; ilustração; azulejo; cenografia e figurinos; design gráfico; publicidade; mobiliário; decoração e tapeçaria mural. Sempre sob o signo do Desenho, disciplina orientadora de toda a produção artística da autora.
Desta exposição fica ainda a promessa da publicação de um catálogo raisonné, a sair até final de 2013, contribuição fundamental para a sistematização da surpreendente diversidade de uma obra profícua e multidisciplinar.
As imagens aqui apresentadas registam algumas das peças expostas, aproveitando para evocar outro momento expositivo, o primeiro dedicado pela artista inteiramente às artes decorativas. Decorreu na Galeria Pórtico, em Lisboa, de Maio a Junho de 1955, dando visibilidade à obra azulejar em desenvolvimento, que viria mais tarde a culminar nos painéis de grande escala para o Metropolitano de Lisboa.
Maria Keil - Combate de Galos, painel de azulejos, 102x171 cm, 1955, colecção particular. © CMP |
A Galeria Pórtico abre, na Rua da Misericórdia 33, em 1955, ano precedente à última (X) Exposição Geral de Artes Plásticas e à criação da Fundação Calouste Gulbenkian, início de um novo ciclo na história da arte em Portugal.
Logo no ano de abertura mostra obras de Fernando Lemos (n.1926), Vespeira (1925-2002), Manuel Cargaleiro (n.1927), Valadas Coriel (n.1928), Júlio dos Reis Pereira (1902-1983), para além de Maria Keil, acima citada, realizando ainda exposições de gravura e de carácter didáctico.
Desempenhou um papel importante na divulgação de uma nova geração de artistas, então ainda estudantes de Belas-Artes, René Bertholo (1935-2005), Lourdes Castro (n.1930), José Escada (1934-1980) e Costa Pinheiro (n.1932), todos eles aí expondo, individual ou colectivamente entre 55 e 57. Este grupo será mais tarde, já em Paris, responsável pela criação da revista KWY (1958-1964).
A Pórtico promoveria ainda, em 57, a exibição de obras de Vieira da Silva (1908-1992), último ano em que manterá programação regular, acabando por encerrar em 1959.
Logo no ano de abertura mostra obras de Fernando Lemos (n.1926), Vespeira (1925-2002), Manuel Cargaleiro (n.1927), Valadas Coriel (n.1928), Júlio dos Reis Pereira (1902-1983), para além de Maria Keil, acima citada, realizando ainda exposições de gravura e de carácter didáctico.
Desempenhou um papel importante na divulgação de uma nova geração de artistas, então ainda estudantes de Belas-Artes, René Bertholo (1935-2005), Lourdes Castro (n.1930), José Escada (1934-1980) e Costa Pinheiro (n.1932), todos eles aí expondo, individual ou colectivamente entre 55 e 57. Este grupo será mais tarde, já em Paris, responsável pela criação da revista KWY (1958-1964).
A Pórtico promoveria ainda, em 57, a exibição de obras de Vieira da Silva (1908-1992), último ano em que manterá programação regular, acabando por encerrar em 1959.
Maria Keil - Combate de Galos, painel de azulejos, detalhe, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil, teve obra pictórica apreendida pela PIDE na II Exposição Geral de Artes Plásticas, em 1947, juntamente com Júlio Pomar (n.1926), Rui Pimentel (Arco) (n.1924) e Manuel Ribeiro de Pavia (1910-1957), dedicando-se no ano seguinte à decoração de interiores da Pousada de S. Lourenço, na Serra da Estrela, projectada pelo arquitecto Rogério de Azevedo (1898-1983), desenhando mobiliário, actividade que vinha desenvolvendo desde meados da década de 40, tanto para encomendas públicas como privadas, muitas vezes em colaboração com o seu marido, o arquitecto Francisco Keil do Amaral (1910-1975).
A exposição
na Pórtico, "Móveis de Maria Keil e Manuel Magalhães - Azulejos de Maria
Keil", representa assim o amadurecer de um percurso de vários anos de actividade. Aliando às peças por si desenhadas e realizadas
pelo mestre entalhador Manuel Magalhães, azulejos executados na fábrica
Viúva Lamego, tanto em painéis como integrados em mobiliário.
Maria Keil - Combate de Galos, painel de azulejos, detalhe, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Combate de Galos, painel de azulejos, detalhe, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Combate de Galos, painel de azulejos, detalhe, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Combate de Galos, painel de azulejos, detalhe, 1955, colecção particular. © CMP |
Um dos exemplares mostrados em 1955 é o painel Combate de Galos, acima reproduzido, onde a espessa linha que define o desenho dos animais é esgrafitada sobre um fundo padronado, criando um efeito semelhante à técnica de corda-seca, mais tarde aplicada por Keil nos revestimentos da estação Rossio, do Metropolitano de Lisboa. Técnica semelhante foi utilizada no painel Os Papagaios, igualmente exposto em 55.
Este desenho, dinâmico e abstractizante, demonstra uma particular eficiência gráfica, sublinhada pela repetição de um módulo de desenho linear, tendo por base os alvéolos da rede de capoeira.
Esta abordagem, distancia-se claramente do registo ilustrativo, trabalhado com bastante à-vontade pela artista, em inúmeros livros infantis e escolares, como podemos verificar pelos estudos abaixo reproduzidos, de temática semelhante.
Maria Keil - estudo para ilustração do livro Histórias da Minha Rua, guache e tinta-da-china sobre papel, 1953, colecção da BNP. © CMP |
Maria Keil - estudos para ilustração do livro O pau-de-fileira, tinta-da-china, grafite e guache, 1977, colecção da BNP. © CMP |
Na exposição na Pórtico, foram mostrados dezasseis painéis de azulejo, incluindo excertos de revestimentos de parede, entretanto concebidos pela artista. Entre estes constava o painel Os Pastores, já aqui referido, a propósito da estação de Metro, Parque.
Abaixo podemos ver um projecto para um dos painéis apresentados, A Figueira, e um detalhe do projecto para uma parede na sede da TAP em Paris, da qual foi exibido um excerto, tal como aconteceu com a parede desenhada para a Aerogare de Luanda, realizada em 1954.
Abaixo podemos ver um projecto para um dos painéis apresentados, A Figueira, e um detalhe do projecto para uma parede na sede da TAP em Paris, da qual foi exibido um excerto, tal como aconteceu com a parede desenhada para a Aerogare de Luanda, realizada em 1954.
Maria Keil - estudo para painel de azulejos A Figueira, lápis sobre papel vegetal, 1955, colecção do MNAZ. © CMP |
Maria Keil - painel de azulejos A Figueira, 1955, colecção particular. Imagem publicada no catálogo Maria Keil - Azulejos, edição do Museu Nacional do Azulejo, 1989. |
Maria Keil - detalhe de painel de azulejos Rapariga da Fruta, 1955. Imagem publicada na revista Panorama, nº3, 1956, divulgando a exposição na galeria Pórtico, Lisboa. |
Sobre os azulejos expostos, escreve Maria Keil, no catálogo de 1955, um texto exemplar que poderá ser entendido como manifesto da modernização da produção azulejar em Portugal:
"Poucas
artes aplicadas têm tradições tão portuguesas como a dos azulejos de
revestimento e pouquíssimas contribuíram tanto para o que há de
característico nas nossas edificações dos últimos séculos. E, no
entanto, mercê de circunstâncias mal definidas, essa tradição magnífica
quase se perdeu. Vem vegetando na execução de pequenos painéis com
santos do mesmo nome dos donos de quintas e de casais, ou na repetição
de motivos «à antiga portuguesa».
Parece-me
que vale a pena, a vários títulos, insuflar vida nessa tradição
decadente e que aos arquitectos cabe, necessariamente, um papel
importante nessa tarefa: porque se não derem guarida aos azulejos nas
suas obras, nada feito. Mas a nós, pintores e decoradores, cumpre
fornecer aos arquitectos azulejos adequados para os edifícios e as
soluções de hoje. Azulejos de espírito moderno para as obras de
arquitectura moderna.
Na tradição do
azulejo português há duas feições dominantes: a dos motivos pintados à
mão, com um número de cores bastante reduzido, em que predomina o azul; e
a dos elementos estampilhados em série, que se empregou, principalmente, para revestir fachadas de prédios e grandes superfícies interiores.
Nessa tradição limitada, mas rica de possibilidades para quem tiver
imaginação, procurei lançar as minhas raízes. Ela continua a ser, quanto
a mim, perfeitamente adequada para valorizar a arquitectura. Para
valorizar integrando-se nela discretamente, como é preciso.
Não
permite, é certo, os requintes da cerâmica policromada, nem é rico e
quente (bem pelo contrário) o material visto ao pé. Mas, assim mesmo,
conseguiram os nossos maiores realizar coisas tão belas, tão certas para
os locais e as funções a que se destinavam, tão simples, tão humildes,
tão bem compreendidas, que me parece impensada vaidade desprezar a lição
magnífica que encerram.
As minhas
obras são apenas ensaios, tentativas, que a boa-vontade e simpatia dos
que dirigem e dos que trabalham na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego
tornou possível, com os seus ensinamentos e a sua ajuda. São, na maioria
dos casos, troços de grandes superfícies já revestidas, ou a revestir. E
como tal gostaria que fossem olhadas."
Maria Keil - detalhe do estudo para parede em azulejos na sede da TAP em Paris, tinta-da-china, guache e colagem sobre cartão, 1954, colecção particular. © CMP |
Foram também mostradas peças de mobiliário integrando azulejo, como é o caso da Mesa dos Frutos, abaixo reproduzida, cujo tampo é composto por dezasseis azulejos. O motivo central combina pintura com desenho esgrafitado e a cercadura é composta por um conjunto de motivos avulso, figurando vários frutos, em tonalidades de verde e azul, envoltos num grafismo dinâmico, elemento agregador da composição.
Maria Keil - Mesa dos Frutos, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Mesa dos Frutos, tampo, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Mesa dos Frutos, detalhe do motivo central do tampo, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Mesa dos Frutos, detalhe da cercadura do tampo, 1955, colecção particular. © CMP |
A complexidade das peças de mobiliário expostas na Pórtico, afasta-se do trabalho desenvolvido, anos antes,
para a Pousada de Manteigas, revelando uma maior sofisticação, tanto estrutural, como técnica.
É um mobiliário de concepção moderna, longe da estilização folclórica proposta anos antes segundo os ditames da Campanha do Bom Gosto do SPN. Conjuga a utilização de vários materiais, como madeiras ou metais, onde o detalhe minucioso, não é rústico, nem é barroco, revelando um alinhamento pelas tendências internacionais, especialmente o desenho de mobiliário italiano, associado a uma primorosa execução técnica.
Maria Keil - Bar dos Cavalos, 1955, colecção particular. © CMP |
Sobre as suas propostas de mobiliário diz a autora, no catálogo supracitado:
"Quanto à feição que pretendi imprimir-lhes, estes móveis constituem uma tentativa de resposta às seguintes perguntas que a mim mesma vinha fazendo com crescente frequência:
- Será que estamos realmente condenados, em Portugal, a recorrer às imitações pomposas de móveis antigos sempre que pretendemos arranjar uma casa nova com certa distinção, ou riqueza?
- Não haverá outro, ou outros caminhos? Não será possível fazer móveis de hoje, simples, mas enobrecidos e enriquecidos pela intervenção de artistas plásticos?
É certo que a feição característica do mobiliário contemporâneo é acentuadamente utilitária, com grande sobriedade de linhas e de volumes. É certo ainda que as vantagens resultantes do emprego de novas técnicas de produção em série devem colocar ao alcance do homem comum móveis de preço acessível, mas com modelos estudados cuidadosamente por especialistas de elevada categoria.
Contudo, creio bem que a par desses móveis (raríssimos ainda entre nós, infelizmente) há lugar para esse outro tipo de mobiliário cuja falta sinto - sóbrio e funcional mas valorizado pelo poder criador e pelo trabalho de artistas e artífices.
Os motivos de talha, de embutidos e de metais são, porventura, os mais constantes na tradição do mobiliário. E foi nessa tradição que lancei raízes. Variando mais uma vez o estilo do conjunto e dos motivos ornamentais, como era natural, mas procurando beneficiar dos ensinamentos da Tradição e respeitá-la no que ela tem de vivo e respeitável.
As peças expostas estudei-as e desenhei-as com a atenção que se dedica a uma esperança. Isso, porém, não seria bastante. Porque os móveis de arte têm que ser executados por quem os compreenda e sinta. De nada serviria ter concebido e desenhado as figurinhas para fazer em talha se não encontrasse quem as realizasse convenientemente. Neste ponto, porém, a Sorte acompanhou-me: o senhor Manuel Magalhães é um mestre entalhador de grandes recursos técnicos e de apurada sensibilidade. Com um carinho, uma perícia e uma compreensão invulgares soube transformar os meus desenhos a duas dimensões em pequenas esculturas. A ele se deve, portanto, muito do que possam valer as peças expostas."
Maria Keil - Papeleira dos Meninos e da Água, 1955, colecção particular. © CMP |
Maria Keil - Papeleira dos Meninos e da Água, detalhe, 1955, colecção particular. © CMP |
Para além dos exemplares referidos, estiveram ainda expostos na Pórtico, segundo o catálogo:
- Mesa dos Cavalos
- Armário dos Camponeses
- Papeleira dos Pescadores
- Móvel da Fonte
A exposição "De propósito, Maria Keil, Obra Artística", está patente no Palácio da Cidadela de Cascais, de 10 de Julho a 27 de Outubro, do ano corrente. É organizada pelo Museu da Presidência da República, sob a coordenação de Diogo Gaspar e tem curadoria de Alexandre Arménio Tojal e Rui Manuel Almeida.
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