sábado, 22 de outubro de 2011

Floreiras - Raul da Bernarda

A fábrica Raul da Bernarda em Alcobaça, produziu nas décadas de 50 e 60, um conjunto de peças biomórficas em cores primárias e secundárias.
As floreiras gomadas abaixo reproduzidas fazem parte de um vasto conjunto de peças que incluía castiçais, jarras, pratos e caixas.
Estas peças são pintadas a aerógrafo, de modo a acentuar a modelação das superfícies através de sombreados, vivendo sobretudo dos jogos entre saliências e reentrâncias, sublinhados pelo claro-escuro.
Embora as formas possam evocar elementos decorativos do Barroco ou do Rococó, as decorações encontram-se entre as mais sintéticas produzidas pela RB nestas décadas, trabalhando apenas a cor e a sua modelação.


Floreira de parede, modelo 1184, com 18 cm de largura e 17,5 cm de altura:



Raul da Bernarda - floreira de parede, modelo 1184. © CMP


Raul da Bernarda - floreira de parede, modelo 1184. © CMP


Marca de fábrica - "RB ALCOBAÇA PORTUGAL 1184". © CMP


Marca de fábrica - RB ALCOBAÇA PORTUGAL 1184. © CMP


A grande maioria destas peças, vulgarmente chamadas Arco-íris, são de inspiração italiana, tanto nas formas como na decoração. O que acontece também com outras linhas produzidas pela Raul da Bernarda nas décadas de 50 e 60.

Floreira modelo 1170, com 20 cm de altura e 33 cm de largura:



Raul da Bernarda - floreira, modelo 1170. © CMP


Raul da Bernarda - floreira, modelo 1170. © CMP


Raul da Bernarda - floreira, modelo 1170. © CMP


Raul da Bernarda - floreira, modelo 1170. © CMP


Raul da Bernarda - floreira, modelo 1170. © CMP



Marca de fábrica - RB ALCOBAÇA PORTUGAL 1170. © CMP



Raul da Bernarda - jarra 25 cm de altura. © CMP


Durante a década de 60, muitos destes modelos foram produzidos  com decorações a dourado, consubstanciando um problema visível em muitas peças RB desta época: as formas são orgânicas e assimétricas, de cariz modernista, no entanto as decorações são muitas vezes de gosto Rococó, utilizando filetes dourados, arabescos, elementos florais e paisagísticos.
Nos exemplares abaixo reproduzidos, podemos observar a combinação entre cores saturadas e o padrão Chintz estampado a ouro. 
Este padrão tornou-se muito comum na produção da década de 60 por influência do gosto britânico, materializando uma contradição entre forma e elementos decorativos, também observável em muita da produção internacional.


Raul da Bernarda - floreira, modelo 1170. Leilões.net

Raul da Bernarda - caixa modelo 1196, 17 cm de altura. © CMP

Seguindo um critério semelhante, o prato abaixo reproduzido combina uma paisagem naturalista, ao centro, com a alternância entre cores vivas e preto tão característica da década de 50, na cercadura.
Este género de paisagem estereotipada aparece abundantemente em peças produzidas em série, ainda que pintadas à mão, nas fábricas da região de Alcobaça, como a ELPA (Elias & Paiva Lda.),  ou a Pereiras de Valado dos Frades, para além da Raul da Bernarda.


Raul da Bernarda - prato 850 com paisagem. © CMP

Paisagens pitorescas semelhantes povoam a produção alemã (especialmente da Baviera) e holandesa do mesmo período.
Pode, portanto, concluir-se que não revelam nenhuma tendência nacionalista, uma vez que não possuem elementos tipicamente portugueses, mas apenas a correspondência ao gosto dominante, servindo dos mercados internacionais.
No prato abaixo reproduzido, tenta-se uma solução de maior síntese, a três faixas horizontais em cores primárias (azul, amarelo e magenta) sobrepõe-se uma paisagem desenhada a pincel, apenas a negro, com maior rapidez de traço, de modo a esbater o carácter estilístico estereotipado. 


Raul da Bernarda - prato 850 com paisagem. © CMP

Raul da Bernarda - prato 850 com paisagem. © CMP

Prato 850 - marca de fábrica. © CMP


As formas biomórficas, ao gosto moderno, como a pequena jarra bulbosa abaixo reproduzida, eram produzidas com variados tipos de decoração.
No primeiro caso as cores saturadas pintadas a aerógrafo são combinadas com um filete dourado, no segundo caso, mais conservador, a monocromia lilás é combinada com o mesmo filete dourado e no terceiro caso é usada uma decoração regionalista, típica da zona de Alcobaça.





Raul da Bernarda - jarra 796, 11,43 cm de altura e 12,7 cm de diâmetro. © CMP




Raul da Bernarda - jarra 714 B, 11,43 cm de altura e 12,7 cm de diâmetro. © MAFLS


Marca de fabrico - R.B. Alcobaça Portugal 714 B. © MAFLS



Raul da Bernarda - jarra 706, 11,43 cm de altura e 12,7 cm de diâmetro. ebay


Marca de fabrico - R.B. Made in Portugal 706. ebay



domingo, 16 de outubro de 2011

Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres, Lisboa - Lusitânia

O desenho da fachada do edifício nº 40 da Av. Óscar Monteiro Torres, em Lisboa, corresponde a uma tipologia comum a muitos prédios modernistas lisboetas construídos na década de 30. 
Obedecendo a uma composição simétrica, segundo um eixo vertical, onde janelas e varandas participam numa articulação entre saliências e reentrâncias, abdicando de toda a decoração que não seja abstracta e directamente decorrente dos elementos estruturais.
Este tipo de fachadas disseminou-se pelas novas ruas e avenidas da cidade, muito pela influência das múltiplas e inventivas propostas de Cassiano Branco (1897-1970), explorando a dinâmica da volumetria, sublinhada por jogos de claro-escuro orientados por composições geométricas de linhas verticais e horizontais. 
Muitos destes edifícios, ironicamente chamados de "risco ao meio", definem uma tipologia que "foi modernista, mas ainda não totalmente moderna", uma vez que, vulgarmente seguem modismos estilísticos de superfície, não chegando a "abandonar a estrutura tradicional urbana de fachada-rua e traseiras-logradouro".

Fachada de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres, nº40, Lisboa. © CMP


Detalhe da fachada com revestimento em trencadís. © CMP



Detalhe do revestimento em trencadís. © CMP


Em vários edifícios construídos na década de 30, são aplicados revestimentos exteriores em cerâmica, sobretudo por questões funcionais, como se verifica nos casos do primeiro segmento de construção da Av. da Igreja, em Alvalade, ou no bloco da Casa da Moeda, da autoria de Jorge Segurado (1898-1990).
A fachada do nº 40 da Av. Óscar Monteiro Torres é um caso profundamente original, uma vez que faz uso do trencadís, mosaico cerâmico típico da Catalunha, muito pouco comum na arquitectura Lisboeta.
Trencadís é o termo catalão para designar o mosaico feito de pedaços de azulejo partido, muito usado em revestimentos decorativos pelos arquitectos do chamado Modernismo Catalão, como Antoni Gaudí (1852-1926) e Josep Maria Jujol (1879-1949). 
Ao contrário dos arquitectos citados, que tiram partido da cor e dos padrões fragmentados dos azulejos, aqui optou-se por azulejos de cor lisa, tirando partido apenas da textura.
Todo o edifício obedece a um estudo de cor pormenorizado, que integra a fachada e o vestíbulo, conjugando vários tons de verde água. 
O revestimento cerâmico, sendo monocromático, dá consistência à fachada através de uma tonalidade mais intensa, que sublinha na base a cor tendencialmente neutra do  resto do edifício, protegendo a zona de maior desgaste ao nível da rua, numa perfeita relação entre forma e função.


Santiago Calatrava, Estação do Oriente, Lisboa, 1998. © CMP

Santiago Calatrava, Estação do Oriente, Lisboa, 1998. © CMP

 O uso do trencadís monocromático antecipa uma tendência contemporânea, amplamente divulgada pelo arquitecto Santiago Calatrava (n.1951), que tem utilizado este tipo de revestimento particularmente flexível, para revestir de branco as superfícies curvas que definem o seu vocabulário arquitectónico.


Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres. © CMP


Painel com Lavadeira. © CMP


Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres. © CMP


Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres. © CMP

No interior, o revestimento cerâmico dá o mote a toda a concepção decorativa do vestíbulo, prolongando-se pela escada. 
O lambril de azulejos, encimado por figuras em recorte, foi executado nos Anos 30, na oficina  dirigida por António Costa na Fábrica de Cerâmica Lusitânia.
Uma sucessão de faixas onduladas, esquematizam uma representação aquática sublinhada pela cor, servindo de suporte a dois conjuntos figurativos de tema folclórico, que se complementam: duas Varinas à beira mar e uma Lavadeira à beira rio.
Ambos os painéis são  tratados de forma sintética e com cores planas, imprimindo um forte apelo gráfico à composição, acentuado pelos padrões dos tecidos, quer dos trajes, quer da  trouxa carregada pelo burro.  
A eficiência da linguagem, tipicamente modernista, evitando sugestões de volume, é potenciada pela modelação das copas das árvores, pintadas à pistola.


Painel com Varinas. © CMP


Detalhe do painel com Varinas. © CMP


Detalhe do painel com Varinas. © CMP

Detalhe do painel com Varinas. © CMP

Detalhe do painel com Varinas. © CMP


Detalhe do painel com Varinas. © CMP

Detalhe do painel com Varinas. © CMP

Detalhe do painel com Varinas. © CMP


Detalhe do recorte do painel com Varinas. © CMP


Painel com Lavadeira. © CMP

Detalhe do painel com Lavadeira. © CMP

Detalhe das copas das árvores pintadas à pistola. © CMP

Detalhe do painel com Lavadeira. © CMP


Detalhe do painel com Lavadeira. © CMP


O lambril prolonga-se por toda a caixa de escada, animando um espaço exíguo, com uma dinâmica sublinhada pela iluminação zenital.
As linhas curvas do gradeamento e do corrimão articulam-se com as horizontais ondulantes do revestimento cerâmico promovendo a ilusão de movimento.


Detalhe das faixas onduladas horizontais. © CMP


Detalhe da articulação entre as faixas onduladas horizontais. © CMP

Segmento do lambril na escada.  © CMP

Segmento do lambril num dos patamares. © CMP

Segmento do lambril na base da caixa de escada. © CMP

Vista parcial. Publicada em Arquitectura Modernista em Portugal de José Manuel Fernandes, Gradiva, 2005.

Na imagem acima reproduzida, captada no final da década de 70, pode ver-se ainda o esquema  cromático original, estando o tecto pintado a duas cores sobre os relevos de estuque que seguem o motivo aquático do lambril. 
Bem como os vasos, hoje desaparecidos, provavelmente também da Fábrica de Cerâmica Lusitânia, com o mesmo motivo e combinação de cores do revestimento das paredes. 
A falta de rigor na conservação das partes comuns dos prédios de habitação, é um flagelo que afecta em especial os edifícios que melhor evidenciam o investimento feito na sua concepção.
No edifício aqui tratado, o desenho é de tal forma abrangente e completo que parece não deixar de fora nenhum pormenor e qualquer detalhe pode fazer a diferença.
Assim sendo, torna-se particularmente penoso assistir às intervenções e remodelações levadas a cabo pelos proprietários, muitas vezes pelas mãos de profissionais pouco criteriosos, como  pode observar-se na imagem abaixo, onde uma tubagem externa foi aplicada sobre a parede sem nenhum tipo de consideração pelas qualidades do espaço intervencionado.


Segmento do lambril na escada.  © CMP


Acesso à caixa de escada. © CMP

Neste vestíbulo onde todos os elementos decorativos são interdependentes, a composição  é completada pelo globo do candeeiro de tecto e pelos frisos em azulejo no topo das paredes que enquadram frases de boas-vindas, sobre o acesso à escada, e de despedida, sobre a porta da rua. 
A coesão é reforçada pelo chão em calçada portuguesa, onde figura o mesmo grafismo de linhas onduladas e ainda pelo desenho da porta, que parece dar seguimento aos elementos gráficos do lambril.


Frase de boas-vindas, legível para quem entra. © CMP


Porta da rua vista do interior. © CMP


Frase de despedida, legível para quem sai. © CMP

A Fábrica de Cerâmica Lusitânia (fundada em 1890 e encerrada  em 1982) produziu  azulejos de cores planas, monocromáticos ou com composições geométricas simples, utilizados para revestir vestíbulos de prédios, habitações, salas de espera e fachadas de algumas estações de caminho-de-ferro.
Durante os Anos 20 o pintor António Costa, introduz a  produção de azulejos com decoração relevada, que na década de 30 se irão distinguir no mercado nacional,  definindo a imagem da fábrica, tanto pelos  motivos geométricos, como pela figuração de traçado modernista e Art Déco.
Nestes azulejos o desenho rigoroso é acentuado pela linha de contorno, definida pelo relevo típico da técnica da tubagem.
Delicado e pouco protuberante, fazendo lembrar o azulejo de aresta hispano-mourisco, este relevo não era obtido através de molde, mas realizado com barro líquido, aplicado em fio sobre placas lisas, usando bisnagas ou tubos, dando assim origem à designação de tubagem.
Esta técnica foi importada de Inglaterra (tubelining decoration), onde foi muito usada tanto em azulejos dos períodos vitoriano e modernista, como em cerâmica decorativa.
Em Portugal a técnica já tinha sido utilizada em alguma produção Arte Nova, tendo-se afirmado  e desenvolvido apenas na Fábrica Lusitânia, onde foi entendida como um dos melhores suportes para a depuração geometrizante e planimétrica modernista, delimitando depressões preenchidas por vidrados coloridos e esmaltes policromos.


Detalhe onde pode observar-se o relevo típico da técnica da tubagem. © CMP


Detalhe onde pode observar-se o relevo típico da técnica da tubagem. © CMP

Detalhe onde pode observar-se o relevo típico da técnica da tubagem. © CMP