O desenho da fachada do edifício nº 40 da Av. Óscar Monteiro Torres, em Lisboa, corresponde a uma tipologia comum a muitos prédios modernistas lisboetas construídos na década de 30.
Obedecendo a uma composição simétrica, segundo um eixo vertical, onde janelas e varandas participam numa articulação entre saliências e reentrâncias, abdicando de toda a decoração que não seja abstracta e directamente decorrente dos elementos estruturais.
Este tipo de fachadas disseminou-se pelas novas ruas e avenidas da cidade, muito pela influência das múltiplas e inventivas propostas de Cassiano Branco (1897-1970), explorando a dinâmica da volumetria, sublinhada por jogos de claro-escuro orientados por composições geométricas de linhas verticais e horizontais.
Muitos destes edifícios, ironicamente chamados de "risco ao meio", definem uma tipologia que "foi modernista, mas ainda não totalmente moderna", uma vez que, vulgarmente seguem modismos estilísticos de superfície, não chegando a "abandonar a estrutura tradicional urbana de fachada-rua e traseiras-logradouro".
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Fachada de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres, nº40, Lisboa. © CMP |
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Detalhe da fachada com revestimento em trencadís. © CMP |
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Detalhe do revestimento em trencadís. © CMP |
Em vários edifícios construídos na década de 30, são aplicados revestimentos exteriores em cerâmica, sobretudo por questões funcionais, como se verifica nos casos do primeiro segmento de construção da Av. da Igreja, em Alvalade, ou no bloco da Casa da Moeda, da autoria de Jorge Segurado (1898-1990).
A fachada do nº 40 da Av. Óscar Monteiro Torres é um caso profundamente original, uma vez que faz uso do trencadís, mosaico cerâmico típico da Catalunha, muito pouco comum na arquitectura Lisboeta.
Trencadís é o termo catalão para designar o mosaico feito de pedaços de azulejo partido, muito usado em revestimentos decorativos pelos arquitectos do chamado Modernismo Catalão, como Antoni Gaudí (1852-1926) e Josep Maria Jujol (1879-1949).
Ao contrário dos arquitectos citados, que tiram partido da cor e dos padrões fragmentados dos azulejos, aqui optou-se por azulejos de cor lisa, tirando partido apenas da textura.
Todo o edifício obedece a um estudo de cor pormenorizado, que integra a fachada e o vestíbulo, conjugando vários tons de verde água.
O revestimento cerâmico, sendo monocromático, dá consistência à fachada através de uma tonalidade mais intensa, que sublinha na base a cor tendencialmente neutra do resto do edifício, protegendo a zona de maior desgaste ao nível da rua, numa perfeita relação entre forma e função.
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Santiago Calatrava, Estação do Oriente, Lisboa, 1998. © CMP |
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Santiago Calatrava, Estação do Oriente, Lisboa, 1998. © CMP |
O uso do trencadís monocromático antecipa uma tendência contemporânea, amplamente divulgada pelo arquitecto Santiago Calatrava (n.1951), que tem utilizado este tipo de revestimento particularmente flexível, para revestir de branco as superfícies curvas que definem o seu vocabulário arquitectónico.
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Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres. © CMP |
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Painel com Lavadeira. © CMP |
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Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres. © CMP |
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Vestíbulo de edifício na Av. Óscar Monteiro Torres. © CMP |
No interior, o revestimento cerâmico dá o mote a toda a concepção decorativa do vestíbulo, prolongando-se pela escada.
O lambril de azulejos, encimado por figuras em recorte, foi executado nos Anos 30, na oficina dirigida por António Costa na Fábrica de Cerâmica Lusitânia.
Uma sucessão de faixas onduladas, esquematizam uma representação aquática sublinhada pela cor, servindo de suporte a dois conjuntos figurativos de tema folclórico, que se complementam: duas Varinas à beira mar e uma Lavadeira à beira rio.
Ambos os painéis são tratados de forma sintética e com cores planas, imprimindo um forte apelo gráfico à composição, acentuado pelos padrões dos tecidos, quer dos trajes, quer da trouxa carregada pelo burro.
A eficiência da linguagem, tipicamente modernista, evitando sugestões de volume, é potenciada pela modelação das copas das árvores, pintadas à pistola.
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Painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do painel com Varinas. © CMP |
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Detalhe do recorte do painel com Varinas. © CMP |
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Painel com Lavadeira. © CMP |
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Detalhe do painel com Lavadeira. © CMP |
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Detalhe das copas das árvores pintadas à pistola. © CMP |
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Detalhe do painel com Lavadeira. © CMP |
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Detalhe do painel com Lavadeira. © CMP |
O lambril prolonga-se por toda a caixa de escada, animando um espaço exíguo, com uma dinâmica sublinhada pela iluminação zenital.
As linhas curvas do gradeamento e do corrimão articulam-se com as horizontais ondulantes do revestimento cerâmico promovendo a ilusão de movimento.
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Detalhe das faixas onduladas horizontais. © CMP |
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Detalhe da articulação entre as faixas onduladas horizontais. © CMP |
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Segmento do lambril na escada. © CMP |
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Segmento do lambril num dos patamares. © CMP |
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Segmento do lambril na base da caixa de escada. © CMP |
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Vista parcial. Publicada em Arquitectura Modernista em Portugal de José Manuel Fernandes, Gradiva, 2005. |
Na imagem acima reproduzida, captada no final da década de 70, pode ver-se ainda o esquema cromático original, estando o tecto pintado a duas cores sobre os relevos de estuque que seguem o motivo aquático do lambril.
Bem como os vasos, hoje desaparecidos, provavelmente também da Fábrica de Cerâmica Lusitânia, com o mesmo motivo e combinação de cores do revestimento das paredes.
A falta de rigor na conservação das partes comuns dos prédios de habitação, é um flagelo que afecta em especial os edifícios que melhor evidenciam o investimento feito na sua concepção.
No edifício aqui tratado, o desenho é de tal forma abrangente e completo que parece não deixar de fora nenhum pormenor e qualquer detalhe pode fazer a diferença.
Assim sendo, torna-se particularmente penoso assistir às intervenções e remodelações levadas a cabo pelos proprietários, muitas vezes pelas mãos de profissionais pouco criteriosos, como pode observar-se na imagem abaixo, onde uma tubagem externa foi aplicada sobre a parede sem nenhum tipo de consideração pelas qualidades do espaço intervencionado.
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Segmento do lambril na escada. © CMP |
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Acesso à caixa de escada. © CMP |
Neste vestíbulo onde todos os elementos decorativos são interdependentes, a composição é completada pelo globo do candeeiro de tecto e pelos frisos em azulejo no topo das paredes que enquadram frases de boas-vindas, sobre o acesso à escada, e de despedida, sobre a porta da rua.
A coesão é reforçada pelo chão em calçada portuguesa, onde figura o mesmo grafismo de linhas onduladas e ainda pelo desenho da porta, que parece dar seguimento aos elementos gráficos do lambril.
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Frase de boas-vindas, legível para quem entra. © CMP |
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Porta da rua vista do interior. © CMP |
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Frase de despedida, legível para quem sai. © CMP |
A Fábrica de Cerâmica Lusitânia (fundada em 1890 e encerrada em 1982) produziu azulejos de cores planas, monocromáticos ou com composições geométricas simples, utilizados para revestir vestíbulos de prédios, habitações, salas de espera e fachadas de algumas estações de caminho-de-ferro.
Durante os Anos 20 o pintor António Costa, introduz a produção de azulejos com decoração relevada, que na década de 30 se irão distinguir no mercado nacional, definindo a imagem da fábrica, tanto pelos motivos geométricos, como pela figuração de traçado modernista e Art Déco.
Nestes azulejos o desenho rigoroso é acentuado pela linha de contorno, definida pelo relevo típico da técnica da tubagem.
Delicado e pouco protuberante, fazendo lembrar o azulejo de aresta hispano-mourisco, este relevo não era obtido através de molde, mas realizado com barro líquido, aplicado em fio sobre placas lisas, usando bisnagas ou tubos, dando assim origem à designação de tubagem.
Esta técnica foi importada de Inglaterra (tubelining decoration), onde foi muito usada tanto em azulejos dos períodos vitoriano e modernista, como em cerâmica decorativa.
Em Portugal a técnica já tinha sido utilizada em alguma produção Arte Nova, tendo-se afirmado e desenvolvido apenas na Fábrica Lusitânia, onde foi entendida como um dos melhores suportes para a depuração geometrizante e planimétrica modernista, delimitando depressões preenchidas por vidrados coloridos e esmaltes policromos.
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Detalhe onde pode observar-se o relevo típico da técnica da tubagem. © CMP |
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Detalhe onde pode observar-se o relevo típico da técnica da tubagem. © CMP |
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Detalhe onde pode observar-se o relevo típico da técnica da tubagem. © CMP |