domingo, 4 de novembro de 2018

Conferência HOTEL DO MAR: UMA VISÃO MODERNA | CEQL - Centro de Estudos Querubim Lapa


No próximo fim de semana, 10 e 11 de Novembro, decorre no Hotel do Mar em Sesimbra, o conjunto de comunicações e visitas guiadas: HOTEL DO MAR: UMA VISÃO MODERNA | CONFERÊNCIA DE ARQUITECTURA, CERÂMICA E DESIGN, a primeira iniciativa pública do CEQL | CENTRO DE ESTUDOS QUERUBIM LAPA.



Design © Paulo Martins


O CEQL, é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2017, com a missão de promover o estudo, preservação, catalogação e divulgação da obra de Querubim Lapa (1925-2016). Através da sua acção, o CEQL procurará encetar uma dinâmica de debate sobre a intervenção do artista e os seus diálogos com os contextos artísticos português e internacional.
Inaugurando um desígnio que se deseja inclusivo e profícuo, envolvendo investigadores, artistas, arquitectos e outros agentes dos mais variados quadrantes, a conferência HOTEL DO MAR | UMA VISÃO MODERNA, será dedicada à obra colaborativa do Atelier Conceição Silva com Querubim Lapa, incidindo também na acção do arquitecto Francisco da Conceição Silva (1922-1982) como dinamizador do contexto artístico e arquitectónico da época, com especial enfoque nas artes aplicadas e design.
As conferências contam com a participação dos conferencistas: Pedro Lapa (Artis-iha Flul); Célia Gomes (CIAUD - FAUL); Maria Helena Souto (IADE - Universidade Europeia); Rita Gomes Ferrão (Instituto de História da Arte / NOVA FCSH); Suzana Barros Lapa (Ceramista - Oficina do Castelo) e moderação de Pedro Moura Carvalho (Historiador de arte).
Inscrições e programa detalhado em: https://querubimlapa.org/conferencia/



















Publicações sobre o Hotel do Mar:
Hotel do Mar, Sesimbra - Placas cerâmicas de Querubim Lapa I
Hotel do Mar, Sesimbra - Placas cerâmicas de Querubim Lapa II




sábado, 22 de setembro de 2018

TEMPOS MODERNOS | Cerâmica Industrial Portuguesa Entre Guerras - Museu Nacional do Azulejo


O Museu Nacional do Azulejo apresenta TEMPOS MODERNOS | CERÂMICA INDUSTRIAL PORTUGUESA ENTRE GUERRAS | COLECÇÃO AM-JMV, a primeira exposição realizada em Portugal inteiramente dedicada ao design para a indústria cerâmica nacional, da primeira metade do século XX. 



[Design Bloodymary & Braun Creative]




Fábrica Aleluia, Aveiro - Jarra modelo 31 (transformado), c. 1935-45. Fotografia Tiago Pinto




Exclusivamente constituída por uma selecção de cerca de quatrocentas peças pertencentes à colecção particular AM-JVM, a exposição procura evidenciar as relações entre a produção cerâmica portuguesa e o contexto internacional, no rescaldo das vanguardas artísticas do início do século XX, centrando-se no período entre as duas Grandes Guerras. Considerando uma larga amostra de manufacturas representativa do tecido industrial da época: Fábrica de Sacavém; Aleluia; Vista Alegre; Massarelos; Lusitânia; Sociedade de Porcelanas de Coimbra; entre outras; e objectos de várias tipologias: serviços de mesa; candeeiros; floreiras; caixas e figuras; trata-se de um sólido conjunto de peças de uso doméstico que apela à memória colectiva do país.




Saleiro Rã - modelo original de Edouard Marcel Sandoz (1881-1971), Théodore Haviland- Limoges, 1916; e modelo Vista Alegre, c.1930. Fotografia Tiago Pinto. 




Sociedade de Porcelanas de Coimbra - Serviço de café modelo Porto, c. 1930-1937 Fotografia Tiago Pinto.




Reveladora de um apurado sentido de sistematização, a coleção foi construída ao longo de várias décadas por António Miranda e José Madeira Ventura. Historiador da Câmara Municipal de Lisboa, António Miranda, foi diretor interino do Museu da Cidade e coordenador do Museu de Lisboa - Palácio Pimenta, onde comissariou, entre outras, as exposições Varinas de Lisboa - Memórias da Cidade  (2015) e A Lisboa que teria sido (2017); José Madeira Ventura foi coordenador da Biblioteca do Departamento de História da Arte e da Biblioteca Geral / Biblioteca Mário Sottomayor Cardia, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa. Com aprofundado interesse pela história do design e das artes aplicadas, os colecionadores dedicaram-se a reunir um conjunto de peças demonstrativas da circulação de modelos e contaminação entre a produção cerâmica europeia. Algumas delas mostradas na sua página Moderna uma outra nem tanto.




Fábrica de Loiça de Sacavém - Castiçal-floreira, c. 1930-40. Fotografia Tiago Pinto





Fábrica de Loiça de Sacavém - Peças de serviço de mesa, c. 1930-50. Fotografia Tiago Pinto. 




A exposição TEMPOS MODERNOS tem curadoria de Rita Gomes Ferrão (responsável por esta página), investigadora do Instituto de História da Arte da FCSH-UNL, autora dos livros Hansi Staël: Cerâmica, Modernidade e Tradição (2014) e Querubim Lapa: Primeira Obra Cerâmica 1954-1974 (2015). Historiadora de arte e curadora, cujo trabalho se tem centrado no estudo das relações entre a produção de cerâmica portuguesa e o modernismo, em contexto internacional.





Fábrica da Vista Alegre - Base de candeeiro, c. 1930. Fotografia Tiago Pinto. 




Fábrica Electro-Cerâmica - Lebres e Coelho branco, c. 1940. Fotografia Tiago Pinto. 




TEMPOS MODERNOS | CERÂMICA INDUSTRIAL PORTUGUESA ENTRE GUERRAS | COLEÇÃO AM-JMV, inaugura a 27 de Setembro de 2018, pelas 18:30h, nas salas de exposição temporária do Museu Nacional do Azulejo e manter-se-á até 2019.





Fábrica Aleluia - Taça modelo 87 – A, c. 1935-45. Fotografia Tiago Pinto. 






quarta-feira, 2 de maio de 2018

Azulejos da Escola Básica São João de Deus | Júlio Santos


A antiga Escola Primária do Bairro Arco do Cego, Lisboa, foi inaugurada em 1955, com a designação Escola nº 154, articulada em dois pólos, um feminino, situado na Rua Caetano Alberto e outro masculino, na Rua José Sarmento, ladeando, em composição simétrica, o antigo Liceu D. Filipa de Lencastre. Hoje estabelecimento de ensino misto, a Escola Básica do 1º ciclo São João de Deus recebeu a actual designação com a integração no Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre.
Este agrupamento escolar sofreu uma intervenção do Programa de Modernização das Escolas do Ensino Secundário, em 2007-2008, promovida pela Parque Escolar, cujo projecto arquitectónico foi da responsabilidade do atelier 9H ARQUITECTOS, com coordenação do arquitecto João Paulo Conceição (1950-2011).
Embora não caiba neste espaço tecer considerações sobre as intervenções arquitectónicas levadas a cabo pela Parque Escolar em vários estabelecimentos de ensino em todo a país, não deixa de ser fundamental dar a conhecer um caso exemplar de destruição de património azulejar público, perpetrado no contexto destas intervenções.



Júlio Santos - azulejo de padrão, refeitório dos meninos, Escola Primária do Arco do Cego, 1955. Imagem Azulejos Portugueses: Padrões do Século XX, 1998.



Símbolo da Câmara Municipal de Lisboa e datação da construção, Escola Primária do Arco do Cego, Lisboa. © CMP


Os refeitórios da  Escola Básica São João de Deus estavam revestidos com lambris azulejados, cujo padrão havia sido para ali propositadamente concebido pelo pintor Júlio Santos (1916-1965), tendo sido produzido na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em 1955. Este revestimento de padrão, exibia variações feminina e masculina adequadas a cada espaço, e foi destruído durante as obras de remodelação levadas a cabo pela Parque Escolar. Os azulejos poderiam ter sidos levantados e recolocados segundo um projecto de requalificação, o que teria sido a opção mais adequada, ou simplesmente retirados e preservados museologicamente, no entanto, foram negligentemente destruídos, tendo sido salvas apenas algumas dezenas de unidades, nem todas em boas condições, das quais podemos ver os três exemplares publicados abaixo.
Sabe-se também que nas mesmas obras foram destruídos painéis azulejares de pequena escala, da autoria de Jorge Colaço (1868-1942), provenientes da sua oficina nas vizinhas instalações da Fábrica de Cerâmica Lusitânia, situada no Bairro do Arco do Cego, construído inicialmente como bairro operário desta unidade fabril; e ainda frisos azulejares da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), produzidos pela Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha; para além de mobiliário e outros equipamentos representativos do design e artes aplicadas das épocas de construção dos vários pólos escolares.



Vista arérea Liceu D. Filipa de Lencastre, c.1940. AML


Fachada do Liceu D. Filipa de Lencastre, c. 1952-53. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr



O Liceu D. Filipa de Lencastre, situado no centro do Bairro do Arco do Cego, com projecto de 1932 do arquitecto Jorge Segurado (1898-1990), inicialmente destinado ao ensino primário, foi inaugurado em 1938, tendo vindo a sofrer obras de adaptação até 1940. Foi um liceu feminino, sendo ladeado pelos corpos das escolas primárias, um de frequência masculina (assinalado a azul na imagem abaixo) e outro de frequência feminina (assinalado a vermelho na imagem abaixo), segundo as normas em vigor até 1974.



Vista arérea do Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre.



Planta da Escola Norte, proposta de remodelação, 2007-08. Parque Escolar




Júlio Santos, licenciado em Ciências matemáticas e professor de Matemática e de Desenho, tendo iniciado actividade como pintor em 1949, foi autor do desenho de vários padrões azulejares, executados em estampilha manual pela Fábrica Viúva Lamego. 
Para a Escola Primária do Arco do Cego, o pintor concebe um padrão composto por dois módulos alternados, um deles repete-se nos refeitórios masculino e feminino apenas com variação de cor, azul e verde respectivamente, o outro usa pictogramas adequados a cada espaço. Nestes pictogramas, em tudo semelhantes, tanto a figura do menino como a da menina seguram com a mão esquerda um livro aberto e estão rodeadas pelas letras iniciais do alfabeto: a, b, c;  existindo apenas uma preocupação de design: a distinção gráfica entre os dois géneros sexuais, o menino de calções, a menina de saia e laçarote na cabeça, num processo de sintetização sinalética.
Neste projecto decorativo, não são usados estereótipos cromáticos, os recorrentes azul e rosa, ou actividades diferenciadas para cada género sexual. Também não existe, no padrão concebido por Júlio Santos, qualquer referência à localização a que se destinava, o refeitório, o que facilitaria a sua adaptação a novos contextos. Teria sido possível a articulação dos vários módulos de novas formas, tivesse existido um olhar reflexivo sobre a pré-existência e a preocupação da reutilização dos elementos nela integrados.




Escola Básica São João de Deus  - entrada da antiga ala masculina. © CMP  



Abaixo podem ver-se dois exemplares dos azulejos/módulo, provenientes do refeitório da ala masculina da antiga Escola Primária do Arco do Cego, e um exemplar por aplicar, pertencente a uma colecção particular.



Júlio Santos - Módulo do padrão azulejar do refeitório da antiga Escola Primária do Arco do Cego, 1955.  © MUSEU VIRTUAL AEDFL



Júlio Santos - Módulo do padrão azulejar do refeitório da antiga Escola Primária do Arco do Cego, 1955. © MUSEU VIRTUAL AEDFL





Júlio Santos - Módulo do padrão azulejar do refeitório da antiga Escola Primária do Arco do Cego, 1955. © PMC



Módulo do padrão azulejar do refeitório da antiga Escola Primária do Arco do Cego, 1955, Fábrica Viúva Lamego - Tardoz. © PMC


Escola Básica São João de Deus  - entrada da antiga ala feminina. © CMP 



Do refeitório da ala feminina só foi possível salvar um exemplar dos azulejos/módulo. Este exemplar pode ver-se abaixo, tal como uma fotografia da época onde se vê o padrão completo aplicado no lambril.



Aspecto do antigo refeitório da ala feminina da Escola Primária do Arco do Cego, revestimento azulejar de Júlio Santos, 1955.



Detalhe da imagem anterior.




Júlio Santos - Módulo do padrão azulejar do refeitório da antiga Escola Primária do Arco do Cego, 1955. © MUSEU VIRTUAL AEDFL


Como pintor, Júlio Santos dedicou-se sobretudo à paisagem e natureza-morta, optando por um registo de pendor cezanneano, pré-cubista, pouco corajoso, apesar de consentâneo com as suas preferências pela geometrização da forma. Na imagem abaixo é reproduzida uma pintura de sua autoria publicada no catálogo da Exposição dos Artistas premiados pelo S.N.I., 1949. Fazendo uso da distorção da perspectiva, herdada das naturezas-mortas de Paul Cézanne (1839-1906) ou referenciando a obra Eduardo Viana (1881-1967), que na década de 1910 inclui nas suas obras muitos objectos de olaria popular, Júlio Santos opta pela representação de objectos de cerâmica industrial moderna, explorando as suas formas e decorações geométricas. Nesta pintura encontram-se representadas peças de produção nacional e internacional, numa composição clarificadora da proximidade do pintor à indústria cerâmica e ao conhecimento dos modelos internacionais.


Júlio Santos - Natureza Morta, catálogo da Exposição dos Artistas premiados pelo S.N.I., 1949.



A azulejaria de padrão, dominante na criação azulejar de Júlio Santos, desempenha um importante papel na qualificação dos espaços arquitectónicos modernos. No entanto, este papel parece não ter sido reconhecido pelos responsáveis pela intervenção da Parque Escolar no Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, onde actualmente, privados da riqueza histórica do edifício que frequentam diariamente, os alunos realizam exercícios práticos de desenho de padrões, reproduzidos em papel e, ironia das ironias, colados nas paredes como se fossem verdadeiros azulejos.    
Teria sido fundamental que o projecto de remodelação do edifício considerasse a manutenção e conservação deste e outro património testemunho da história do edifício, em especial por se tratar de  uma escola, cuja função didáctica  implica consequências no futuro.
A esse propósito, fica a citação de uma entrevista realizada a José Berardo, um dos mais significativos coleccionadores de azulejaria em Portugal, realizada pela  Az - Rede de Investigação em Azulejo, no âmbito do seu blogue AzLab:

"3 perguntas | ao Comendador Berardo, a propósito da Colecção Berardo

Qual a história da origem da colecção?

A minha paixão pelos azulejos começou nos bancos da escola primária. Havia, junto à janela da sala de aula, um azulejo com a imagem de um cavaleiro com uma espada e umas grandes botas e eu ficava maravilhado a olhar para ele, a imaginar mil histórias e aventuras. Cresci, “percorri as sete partilhas do mundo” e às vezes, vinha-me à memória a figura do cavaleiro, como um sonho… Ao regressar a Portugal, vindo da África do Sul, descobri e naturalmente interessei-me e apaixonei-me pela azulejaria portuguesa. Fiquei fascinado pela história e cultura que os azulejos transmitem, pela sua beleza, pela variedade de desenhos e pela gama de azuis que possuem.  Foi, então, que aconselhado por colaboradores, historiadores de arte e consultores, como o meu amigo Manuel Leitão, pessoa fundamental neste processo, comecei a minha Colecção."



9H Arquitectos - Refeitório do pré-escolar, Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, 2007-08. © CMP


Concluímos com uma imagem do actual refeitório do pré-escolar do Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, construído aquando da intervenção da Parque Escolar: uma cave com fenestração elevada, não permitindo suficiente entrada de luz natural nem o acesso das crianças a uma vista do exterior. Este espaço é revestido com materiais frios: laminados plásticos, aço inoxidável e azulejos com vidrado mate de cor acinzentada. Sobre os muros foram aplicados desenhos aparentemente criados pelas próprias crianças, com execução débil em materiais precários, como o lápis de cera. Aqui tomam refeições quotidianamente cerca de duas centenas de crianças, permanecendo neste lúgubre interior cerca de uma hora e  meia por dia.
Evidentemente, questiona-se a qualidade do espaço (lumínica, visual e acústica), questionando essencialmente os efeitos a longo prazo de práticas que destroem interiores construídos com materiais nobres, executados por manufactura qualificada, pensados e desenhados para promover uma utilização tão prazerosa quanto educacional, substituindo-os por soluções deficientes, executadas com materiais pobres e com maus acabamentos.
Poderão estas crianças vir a apreciar, preservar, exigir qualidade ou até conceber os espaços públicos do futuro? É possível. Mas terá a escola contribuído para tal?



CMP* agradece ao Museu Virtual do Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre e ao coleccionador PMC, a cedência de imagens de peças das suas colecções.




domingo, 8 de abril de 2018

Cabeleireiro Alfredo & Biquette | Tom


Com o recente encerramento do cabeleireiro Alfredo & Biquette, situado na Rua Garret, ao Chiado, Lisboa, é praticamente apagada do coração da cidade uma época de ouro do design de interiores, preconizada por este tipo de estabelecimentos comerciais, nos anos após a II Guerra Mundial.
Acompanhámos o fecho e desmontagem dos interiores deste cabeleireiro que, apesar de ter sofrido algumas remodelações ao longo dos tempos, conservava ainda a arquitectura e muitos dos objectos originais criados especialmente para o local, conferindo-lhe uma identidade própria, desde 1957, data da sua inauguração. 


Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018. 


Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018. 


Considerado um dos mais elegantes salões de cabeleireiro da capital, inicialmente denominado Salão Alfredo & Andrade, teve concepção de interiores da autoria de Tom, Thomaz de Mello (1906-1990), uma escolha que equivalia a uma afirmação de modernidade.
Este artista multifacetado foi um dos mais activos, desde o final da década de 1920, no desenho expositivo e de dispositivos de comunicação, tanto ao serviço do estado como de clientes privados.



Tom - Cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957, detalhe do arranjo da fachada. © Espólio Alfredo & Biquette, 1964. 


Tom - Cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957, arranjo da fachada. © Espólio Alfredo & Biquette, 1964. 




Tom, de nacionalidade brasileira, estabeleceu-se em Portugal em 1926, tendo sido, a partir de 1934, sócio daquela que é considerada a primeira galeria de arte moderna portuguesa, a UP, criada em 1932, em Lisboa, resultado de uma parceria entre António Júlio de Castro Fernandes (1903-1975) e António Pedro (1909-1966). Responsável pela gerência da UP até ao seu encerramento quatro anos mais tarde, Tom, por questões de sobrevivência comercial, opta por comprar e expor cerâmicas austríacas Goldscheider, estas peças parecem ter exercido uma forte impressão sobre Jorge Barradas (1894-1971), artista da galeria, levando-o a iniciar-se na cerâmica. Tom começa também a criar objectos a partir de peças que comprava na Feira da Ladra e transformava, expõe e vende vidros soprados a par com outros objectos decorativos e de artesanato.



Aspecto da sala de estar da residência de Tom, "Casa Pé de Vento", Estoril, 1947. Pode ver-se máscara e candelabro Goldscheider e, entre outros objectos e pinturas, a obra de António Dacosta, "A festa", 1942 (MNAC). Fotografia Estúdio Novais - Biblioteca de Arte Gulbenkian



Com uma actividade artística variada e prolífica, Tom dedica-se ao desenho e pintura, banda-desenhada, ilustração e caricatura, design gráfico e de equipamentos, criação de objectos decorativos e publicitários, tapeçaria e decoração de interiores, sendo um dos pioneiros do design industrial em Portugal. Integrando nas décadas seguintes as equipas que conceberam as representações portuguesas em exposições e feiras comerciais nacionais e internacionais, desenvolve uma apetência especial para o desenho expositivo, recorrendo a múltiplas técnicas e materiais.
Numa época em que a generalidade do equipamento era criado de raiz para cada espaço, já que a produção nacional era escassa e o mobiliário importado atingia custos incomportáveis, Tom concebeu a generalidade das peças necessárias aos interiores do cabeleireiro Alfredo & Andrade, recorrendo a manufactura portuguesa.
A excepção encontra-se em alguns detalhes decorativos, como por exemplo o puxador de porta nas imagens abaixo, de origem italiana.
Para além de desenhar a imagem corporativa da empresa, Tom utiliza algumas referências da história da arte, de modo a sugerir uma continuidade entre os conceitos passados e presentes da beleza feminina. Assim, na recepção, coloca um relevo policromado sobre madeira, recriação de uma pintura do antigo Egipto, representando os cuidados cosméticos, e por cima do balcão de atendimento uma reprodução do Retrato de Giovanna Tornabuoni, de Domenico Ghirlandaio, arquétipo do belo renascentista. 



Tom - Recepção, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Tom - Recriação de pintura egípcia, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018. 


Domenico Ghirlandaio, Retrato de Giovanna Tornabuoni, 1488.


Cabeleireiro Alfredo & Andrade, porta entre a recepção e o salão, puxador de fabrico italiano, 1957. © CMP 2018. 


Cabeleireiro Alfredo & Andrade, puxador de porta de fabrico italiano, 1957. © CMP 2018. 


Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Pelo menos desde os tempos da UP e de quando desenhou lambrilhas para o Pavilhão de Portugal na Exposição Universal de Paris, 1937, Tom mantinha contactos pontuais com a prática cerâmica. No entanto, em 1954, o artista aprofundará esta disciplina, realizando um conjunto de experiências na fábrica SECLA, Caldas da Rainha, peças apresentadas nos salões do SNI (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo), no ano seguinte. Consequentemente, este será um período em que a cerâmica aparecerá como opção nos seus projectos de decoração de interiores.
Assim, quando em 1956 trabalha na concepção do cabeleireiro Alfredo & Andrade, Tom cria um conjunto de candeeiros de parede dominados por máscaras femininas em cerâmica, revisitando a gramática decorativa Art Déco austríaca, aproximando-se da produção da fábrica Goldscheider (Goldscheider'sche Porzellan-Manufactur und Majolica-Fabrik), que havia exposto na UP, novamente em voga na década de 1950.
As máscaras e bustos Goldscheider eram produzidos em série, desde a década de 1920, a partir de modelos esculpidos por prestigiados modeladores profissionais, tomando várias funções (candeeiros, floreiras, etc.), sendo esta produção regularmente actualizada, com a introdução de novos modelos.
As máscaras concebidas por Tom assumem um carácter de autor, sendo modeladas e reproduzidas manualmente em pequena quantidade, provavelmente no Estúdio SECLA. Que se saiba, foram realizadas apenas onze, unicamente para este projecto e, apesar de não estarem marcadas ou assinadas, estas peças são coerentes com as experiências realizadas pelo autor no Estúdio SECLA e com outras peças produzidas pela fábrica durante o mesmo período (ver imagens abaixo).



Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018. 


Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.



Goldscheider Keramik - Cabeça feminina, Viena, década de 1920© 1sttdibs





SECLA - Máscara feminina, candeeiro, Quinta de Santo António, Caldas da Rainha, c. 1950-55. Fotografia Margarida Araújo. 




SECLA - Cabeça feminina, base de candeeiro, Caldas da Rainha, c. 1950-55. © HPS 





Tom - Máscara/candeeiro, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.



Para o mesmo espaço, Tom concebeu candeeiros de tecto, mobiliário e equipamento específico de apoio a cabeleireiro. Desenhou também os fundamentais espelhos de formato trapezoidal que, tal como os grandes espelhos rectangulares, organizam o espaço, desmultiplicando-o em inúmeros efeitos ópticos. 
Conseguindo harmonizar com sucesso as tendências ‘espaciais’ e ‘atómicas’ do momento, que viriam a ser consolidadas na Expo58 em Bruxelas onde trabalhará no projecto expositivo do pavilhão português, com a estilização feminina Art Déco e referências da história da arte, inteligente, Tom orquestrará um espaço com o propósito de agradar simultaneamente a um público maduro e conservador, com poder económico, e também a uma frequência mais jovem, cosmopolita e moderna.   



Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Interiores do cabeleireiro Alfredo & Biquette, pouco antes do seu encerramento. © CMP 2018.



Tom - Detalhe do tecto, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.



Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Interiores do cabeleireiro Alfredo & Biquette, pouco antes do seu encerramento. © CMP 2018.


Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Tom - Consola, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Walter Bosse - Cinzeiro/mão, Bosse/Baller Co., Viena, década de 1950. © 1sttdibs


Da selecção de objectos decorativos pode destacar-se, sobre a prateleira de vidro da consola, na imagem acima, um cinzeiro em bronze, em forma de mão estilizada, muito próximo do modelo criado por Walter Bosse (1904-1979), para a Companhia Hertha Baller. Designer e ceramista vienense, Bosse, que colaborara, a partir de 1926, com a já referida fábrica Goldscheider, começa a trabalhar em bronze no final da década de 1940, criando mais tarde uma série de peças produzidas e difundidas nos anos seguintes pela Bosse/Baller Co., com a designação "Linha Preto e Ouro", de que faz parte este cinzeiro e muitas outras pequenas figuras de animais. No entanto, o mais provável será que a peça sobre a consola seja de manufactura portuguesa, talvez proveniente da fábrica Barbeitos, Lisboa, conhecida pelo fabrico de figuras estilizadas em bronze polido, à maneira dos designers austríacos Walter Bosse e de Karl Hagenauer (1898–1956).



Tom - Móvel de apoio, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Tom - Contentor de apoio com rodas, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Tom - Interiores, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © Espólio Alfredo & Biquette, 1957. 


Tom - Candeeiros de tecto, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Tom - Candeeiro de tecto, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Interiores do cabeleireiro Alfredo & Biquette, durante a sua desmontagem. © CMP 2018.



Em 1969, o cabeleireiro passa a denominar-se Alfredo & Biquette, por alteração da sociedade que o constituía. Esta  designação e sociedade mantiveram-se até início de Abril de 2018, aquando do encerramento do estabelecimento. 


Tom - Logotipo do cabeleireiro Alfredo & Biquette, 1969. © CMP 2018.


Pela sua localização e qualidade, o salão reunia uma clientela seleccionada, frequentadora assídua do Chiado. A partir da segunda metade da década de 1960, uma das clientes habituais foi a editora dinamarquesa Snu Abecassis (1940-1980). A fundadora das Publicações Dom Quixote, em 1965, com escritórios situados na Rua da Misericórdia, nas imediações do Chiado, encomendou ao cabeleireiro, c. 1969-70, alguns penteados cujas imagens iriam ilustrar uma publicação desta editora, pioneira no tratamento de questões do universo feminino e da condição da mulher. 



Alfredo & Biquette - Penteado para ilustração de uma publicação da editora Dom Quixote, c. 1969-70. © Espólio Alfredo & Biquette.

Alfredo & Biquette - Penteado para ilustração de uma publicação da editora Dom Quixote, c. 1969-70. © Espólio Alfredo & Biquette.


No exterior, apesar da manutenção da sobriedade do traçado da fachada, a intervenção de Tom, adicionando alguns elementos distintivos, foi suficiente para criar uma articulação com os estabelecimentos comerciais circundantes.
O salão de cabeleireiro situava-se num primeiro andar sobre as históricas Casa Pereira, mercearia fina fundada em 1930, e a Instanta, loja de fotografia fundada em 1937.  Das suas solarengas varandas podia ver-se a entrada da Rua Ivens e, a partir de 1963, a Casa da Sorte, desenhada pelo arquitecto Francisco da Conceição Silva (1922-1982), com painéis cerâmicos de Querubim Lapa (1925-2016). 
Por agora, conserva-se a vista, já que o uso será outro e o futuro também.



Fachada do cabeleireiro Alfredo & Biquette. © CMP 2018.


Tom - Elemento decorativo da guarda da varanda, cabeleireiro Alfredo & Andrade, 1957. © CMP 2018.


Querubim Lapa - Fachada da antiga Casa da Sorte, actual pastelaria Alcôa, vista do cabeleireiro Alfredo & Biquette. © CMP 2018.


Interiores do cabeleireiro Alfredo & Biquette, durante a sua desmontagem. © CMP 2018.



CMP* agradece todas as imagens cedidas e informações prestadas pelos proprietários dos cabeleireiro Alfredo & Biquette. Agradece também ao coleccionador HPS a cedência de imagens de peças da sua colecção.