sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Serviços de chá e café - Hansi Staël - SECLA

Seguindo as tendências internacionais, dominadas pela liberdade formal e a predominância de cores saturadas, a SECLA introduz, no final dos Anos 50, serviços de chá e café, com decoração caligráfica abstracta, a linha negra sobre aguadas coloridas e fundo branco.
O carácter vivaz dos conjuntos é ainda reforçado pelo facto de o interior das peças ser revestido com esmaltes densamente coloridos, conferindo-lhes um aspecto surpreendente.

SECLA -  peças de serviços de chá e café, Anos 50. © CMP

A autoria da decoração destes serviços deve-se a Hansi Staël (1913-1961), como atesta a marca de fábrica na leiteira (8,5 x 10 cm) abaixo reproduzida.
Hansi Staël colaborou com a SECLA entre 1950 e 1957, tendo sido fundadora do Estúdio SECLA. 
A artista húngara, formada em Artes Gráficas pela mítica Escola de Artes e Ofícios de Viena, revelará facilidade e eficiência na aplicação do grafismo abstracto à decoração cerâmica, como afirma Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989) em A Nova Cerâmica da Caldas (1989), "manchas de cores abstractas, que se adaptavam às formas ou às utilizaçãoes, criando um estilo de decoração que, até então, não era vulgar na produção de outras fábricas".
Staël foi responsável pela concepção de várias peças para a produção corrente e também pela criação de peças únicas que expôs em nome próprio ou representando a fábrica em mostras nacionais e internacionais, contribuindo de forma determinante para a actualização e melhoria da qualidade da produção, bem como para o aumento do prestígio internacional da SECLA. Muitos dos seus desenhos para a produção corrente continuaram a ser executados, pelo menos até finais da década de 80.


SECLA - leiteira. © PMC

SECLA - leiteira, marca de fábrica. © PMC


Estes serviços, Modelo Secla, cujo formato foi desenhado por Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990), receberam várias decorações, sendo esta uma linha criada pela artista para ser reproduzida em série. 
Assim, inteiramente pintada à mão, cada peça aparece, por vezes, rubricada pelo executante da sua decoração. Qualquer esclarecimento sobre as assinaturas dos vários pintores, poderá aqui ser acrescentado.
O bule mede 22 x 12,5 x 12 cm, é esmaltado no interior a amarelo vivo, inclusive a tampa, pontuada no exterior por um elemento circular verde.
No entanto as cores aplicadas no interior de cada peça são variáveis, podendo aparecer peças de formato semelhante com cores inteiramente diferentes.
Também na qualidade das pastas e dos vidrados se notam variações significativas, sendo que algumas peças, como o caso do bule, provavelmente da produção inicial (tendo em conta a marca de fábrica), aparentam ser mais frágeis e propensas à criação de efeitos craquelé e amarelecimento com o passar do tempo, enquanto outras, provavelmente de produção posterior, apresentam vidrados brancos opacos mais estáveis, macios e densos, como pode verificar-se na leiteira acima reproduzida.



SECLA -  bule, Anos 50. © CMP

SECLA -  bule, Anos 50. © CMP

SECLA -  bule, Anos 50. © CMP

SECLA -  bule, Anos 50. © CMP

SECLA -  tampa do bule. © CMP


SECLA -  bule, marca de fábrica. © CMP

As chávenas de chá medem 9,4 x 5 cm e os pires 14,5 cm de diâmetro. 
Ao contrário do bule, marcado com o carimbo da fábrica, tanto as chávenas como os pires estão marcados à mão e com o punção da fábrica, por vezes exibindo também a rubrica do pintor executante da decoração.



SECLA - chávena de chá e pires. © CMP

SECLA - chávena de chá e pires. © CMP

SECLA - chávena de chá, marca de fábrica. © CMP

SECLA - pires. © CMP

SECLA - pires, marca de fábrica. © CMP

SECLA - pires, marca de fábrica e rubrica do pintor. © CMP

SECLA - pires, marca de fábrica. © CMP

As chávenas de café medem 6 x 5,5 cm, estando apenas marcadas com o punção da fábrica.


SECLA - chávenas de café. © CMP




SECLA - chávenas de café. © CMP

SECLA - chávena de café, marca de fábrica. © CMP

Nas imagens abaixo, podemos ver um tête-à-tête composto por duas chávenas de café e respectivos pires, uma leiteira e um açucareiro. 
Este conjunto permanece na sua embalagem original, a que provavelmente faltará uma cobertura incolor de material semelhante ao da etiqueta. 
Os novos materiais plásticos, transparentes, estavam estavam em voga, deixando sobressair o aspecto informal e descontraído do embalamento. As peças estão presas à caixa com uma fita colorida e têm entre si, por precaução,  pequenos pedaços de papel de lustro negro.
O diâmetro dos pires é de 11 cm e o açucareiro mede 8,8 x 8,7 cm.


SECLA - tête-à-tête, na embalagem original. © CMP

SECLA - tête-à-tête, na embalagem original. © CMP

SECLA - tête-à-tête, na embalagem original. © CMP

SECLA - tête-à-tête, na embalagem original. © CMP

SECLA - tête-à-tête, na embalagem original. © CMP

SECLA - tête-à-tête, na embalagem original. © CMP

SECLA - tête-à-tête, fundo da embalagem original. © CMP

As mesmas peças foram mais tarde produzidas em versões monocromáticas, podendo ser compradas avulso e misturadas entre si, de modo a criar conjuntos multicolores.
Nesta versão, traduzem, tanto no contexto nacional como para o mercado internacional, as ideias introduzidas pelo  designer americano Russel Wright (1904-1976), com a linha American Modern, produzida pela Steubenville Pottery entre 1939 e 1959, que rapidamente adquiriu o estatuto de clássico da década de 50.


Russel Wright - peças da linha American Modern, Steubenville Pottery, 1939. MET


Numa época em que os jovens casais começavam a viver de modo mais informal, os serviços completos foram caindo em desuso, dando lugar a conjuntos de peças variadas que se podiam ir comprando ao longo do tempo, daí o seu enorme sucesso comercial. Várias companhias europeias e americanas começaram a produzir linhas deste tipo.


SECLA - açucareiro. Leilões.net

SECLA - açucareiro. Leilões.net

SECLA - açucareiro. Leilões.net



Às peças já referidas falta a cafeteira, para que os dois serviços, chá e café, fiquem completos. Aqui apresentada numa versão monocromática negra, de produção mais tardia, corresponde a uma versão mais alta e oblonga do bule.


SECLA - cafeteira. Leilões.net

SECLA - cafeteira. Leilões.net



Vários designers exploraram internacionalmente as mesmas referências, desenho linear a negro sobre fundo branco, conjugado com cores primárias e secundárias, na senda das propostas de artistas do modernismo como Juan Miró (1893-1983) ou Alexander Calder (1898-1976).
Representante destas tendências, do ceramista francês Roger Capron (1922-2006), aqui anteriormente referido, fica um conjunto composto por jarro e copos, decorado com elementos abstractos a negro sobre branco e interiores esmaltados a cores vivas.



Roger Capron - jarro e copos.


Marca "Capron Vallauris".

Algumas propostas da designer britânica Susie Cooper (1902-1995), utilizam também os mesmos recursos estilísticos. 
Cooper foi uma das mais importantes designers de cerâmica utilitária no Reino Unido, tendo trabalhado, entre 1922 e 1929, para a A.E. Gray na decoração de variadas peças, com elementos florais, abstractos, ocasionalmente geométricos, pintados à mão. Em 1929 fundou a sua empresa, dedicando-se à criação de linhas próprias a partir de peças em branco fornecidas por outras companhias, estabelecendo-se como uma designer de referência no período entre as guerras.
Em 1931 mudou-se para a Crown Works, em Burslem, propriedade da Wood & Sons, que lhe fornecia peças em branco, já segundo os seus próprios desenhos.
Foi também pioneira na introdução de novas técnicas, como a litografia, conferindo ás suas decorações um grafismo inconfundível. A combinação entre modernismo e funcionalidade, garantiu-lhe o respeito tanto dos críticos como do público.
Após a Segunda Grande Guerra, Cooper trabalhou sobretudo em porcelana, para a sua própria companhia, a Susie Cooper China Ldt., fundada em 1950.
Desenhou vários serviços com o interior colorido de modo a realçar a brancura da pasta, como acontece com os múltiplos padrões aplicados no formato Quail. Abaixo reproduzido está o padrão Whispering Grass, desenhado em 1954.
Mais tarde, em 1958, no serviço de café Balck Fruit, utiliza também a estampagem de desenho linear a negro sobre fundo branco, na decoração exterior das peças.


Susie Cooper - peças do formato Quail com o padrão Whispering Grass, 1954. eBay

Susie Cooper - peças do formato Quail com o padrão Whispering Grass, 1954. eBay


Susie Cooper - serviço de café Black Fruit, 1958. Design Council Slide Collection VADS

Susie Cooper - chávenas de café Black Fruit, 1958. eBay

Marca de fábrica - Susie Cooper China Ldt. eBay


De entre os designers escandinavos, talvez a sueca Marianne Westman (n.1928), seja o melhor exemplo no desenvolvimento de padrões em que o desenho a linha a negro se sobrepõe a manchas coloridas sobre fundo branco.
Westman trabalhou para a Rörstrand entre 1950 e 1971, aí produzindo alguns dos clássicos do design sueco do século XX, como as linhas Picknick, Mon Amie, Pomona e Elisabeth.
A linha Picknick, lançada em 1956, é demonstrativa de como a autora utiliza o quotidiano como referente, servindo-se do que a rodeava como base de trabalho, atitude característica da produção moderna escandinava.
Regra geral, Marianne Westman não utiliza elementos abstractos, usa antes uma figuração estilizada, de uma simplicidade quase infantil. O desenho eficiente e graficamente apelativo, fez desta linha um dos maiores sucessos comerciais da Rörstrand, actualmente recuperado em várias reedições.



Marianne Westman - peças da linha Picknick, Rörstrand, 1956.


Marianne Westman - tábua da linha Picknick, Rörstrand, 1956. eBay


Marca da linha Picknick, Rörstrand, 1956. eBay


CMP* Agradece a indispensável colaboração do autor do blogue Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém, bem como de todos os coleccionadores e investigadores, que com informações e imagens das suas colecções, contribuíram para a identificação da autoria das peças aqui publicadas.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Painéis do Pavilhão de Portugal, "Comptoir Suisse", 1957 - Querubim Lapa


Em 1957, Portugal foi o convidado de honra do Comptoir Suisse, a Feira Internacional de Lausana.
Uma equipa liderada por Conceição Silva (1922-1982), que integra os arquitectos Sena da Silva (1926-2001) e José Santa-Rita (1929-2001), é a vencedora do concurso público para o desenho do pavilhão português.
Promovida pelo Fundo de Fomento de Exportação (FFE), a representação portuguesa tinha como objectivo fundamental a promoção internacional das indústrias nacionais  tendo em vista um maior desenvolvimento do comércio externo.
O design de comunicação do Pavilhão de Honra em Lausana esteve a cargo de Manuel Rodrigues (1924-1965), que assumiu também responsabilidades na área do design expositivo, optando pela  utilização de grandes painéis fotográficos da autoria de Mário Novais (1899-1967). O desenho dos interiores teve ainda a colaboração de Sebastião Rodrigues (1929-1997) e Vasco Lapa (n.1928).


Manuel Rodrigues - Cartaz da representação portuguesa no Comptoir Suisse, 1957. Artifiche

Vistas da montagem com os elementos usados por Manuel Rodrigues na composição do cartaz, em segundo plano, Conceição Silva dá indicações sobre a colocação de um sobreiro natural. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr


A concepção do pavilhão constitui uma ruptura em relação às directrizes estéticas do SNI para as representações internacionais, reforçada em continuidade, no ano seguinte, pela presença portuguesa  na Expo58, em Bruxelas.
De desenho assumidamente moderno, o espaço expositivo é entendido de forma polivalente, utilizando os painéis fotográficos e serigrafados como orientação para as várias propostas de  percurso.
A liberdade e fluidez do espaço não prejudica o entendimento claro das várias secções, que integram simbolicamente um sobreiro português, trazido propositadamente para a ocasião.
Os expositores modulares, concebidos por Sena da Silva, sustentavam imagens fotográficas de grande formato que povoavam também as paredes do pavilhão, servindo de suporte aos objectos expostos.


Plano geral do Pavilhão de Honra de Portugal na Exposição de Lausana, 1957. Foto de Sena da Silva publicada no catálogo Sena da Silva, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

Plano de expositor com peças de vidro, ourivesaria e cerâmica, Lausana, 1957. Foto de Sena da Silva publicada no catálogo Sena da Silva, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

Vários artistas plásticos foram, como habitualmente, chamados a colaborar nesta empreitada. À entrada, no exterior, figurava um grupo escultórico em bronze da autoria de Jorge Vieira (1922-1998), no vestíbulo, uma tapeçaria de Portalegre desenhada por Almada Negreiros (1893-1970) e no interior obras de Jorge Barradas (1894-1971) e Manuel Cargaleiro (n.1927), entre outros.
A exposição estava organizada de forma a publicitar os quatro grandes sectores alvo do Plano de Fomento, na secção das indústrias metropolitanas. E considerava também a secção dos produtos industriais, direccionada para a divulgação das províncias ultramarinas.


Vista parcial da secção das províncias ultramarinas, figurando, em segundo plano, Conceição Silva e o Primeiro Ministro Marcello Caetano. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr

Enquanto a Conceição Silva se ficou a dever a concepção geral e o moderno entendimento do espaço, a Querubim Lapa (n.1925) se deve um longo painel cerâmico, especialmente concebido  para enquadrar o balcão de atendimento.
O painel é composto por cinco secções, quatro dedicadas às actividades a divulgar pelo Plano de Fomento e um quinto representando o Sol, não só uma referência às características climáticas do país e ao turismo, mas aqui também entendido como fonte de vida e de energia para todos os sectores produtivos.
A composição da obra parece antever a possibilidade de desmantelamento futuro, sendo possível a separação das várias secções e a sua apreciação individual, como aliás se veio a verificar.


 Querubim Lapa -  vista parcial do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, 1957. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr

Na imagem acima reproduzida, captada por Mário Novais durante a montagem da exposição, a figura de uma sereia, situada do lado esquerdo, estava originalmente posicionada na horizontal, no entanto, actualmente exposta no Museu Nacional do Azulejo, a mesma figura tem sido mostrada na vertical, tal com aqui a reproduzimos.
A figura mitológica, aparece rodeada de peixes e outros elementos marinhos, estando provavelmente associada ao sector das pescas, indústrias do mar e conserveiras.


Querubim Lapa - secção do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Querubim Lapa - detalhe com assinatura, painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, Lausana, 1957.
MNAZ/ICEP © CMP

Na concepção destes relevos cerâmicos, o artista tira especial partido dos efeitos das sombras projectadas, a partir de elementos geométricos salientes, possibilitando jogos de luz e de sombra complementares aos criados pelos planos do tecto.

 Querubim Lapa -  vista parcial do painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, 1957. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr

 Querubim Lapa -  secção representando o Sol, painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, 1957. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr

A figura do Sol, aqui entendida como força vital, responsável pelos frutos da Terra e do Mar, será retomada pelo autor nos relevos cerâmicos concebidos, no ano seguinte, para o pavilhão português na Expo58, em Bruxelas e novamente nos painéis da Pastelaria Mexicana (1961-62) em Lisboa.


 Querubim Lapa -  secção representando frutos e outros produtos agrícolas, painel do Pavilhão de Portugal no Comptoir Suisse, 1957. Foto do Estúdio Mário Novais - Biblioteca Gulbenkian Flickr