quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Maria Keil - Estação Rossio - Azulejos do Metro de Lisboa II

Aberta ao público em 1963, a estação Rossio do Metropolitano de Lisboa, faz parte da segunda fase de construção do 1º escalão da rede, que decorreu entre 1959 e 1963.
A obra segue as premissas gerais da empreitada, estando o projecto a cargo do arquitecto Falcão e Cunha e sendo o revestimento de azulejos da responsabilidade de Maria Keil (n.1914).


Átrio poente da estação Rossio na época da sua inauguração. Foto do Estúdio Horácio Novais (1930-1980) - Biblioteca Gulbenkian Flickr

As escavações necessárias aos trabalhos de construção da estação, devido  à localização no coração da cidade, proporcionaram a descoberta de uma variedade de achados arqueológicos. 
Este conjunto patrimonial, que incluí vestígios da cidade romana, da cidade moura e das edificações do Hospital de Todos os Santos, destruídas no terramoto de 1755, foi tratado pelos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, passando a estar exposto no Museu da Cidade, onde se mantém actualmente. 
Maria Keil resolve, neste contexto, reavivar a herança árabe na produção azulejar portuguesa, criando um padrão para o revestimento da estação onde recupera a utilização da técnica da corda-seca, evocando as construções geométricas mudéjares. 


Azulejos mudéjares de corda-seca, na Sala das Pegas do Palácio Nacional de Sintra. Foto de Joana Rodrigues/EPI.


A corda-seca, técnica predominante na azulejaria do final do século XV e início do século XVI, consiste na separação dos vidrados coloridos por um sulco pouco pronunciado, preenchido com matéria gorda, evitando a contaminação entre os pigmentos hidro-solúveis, durante a esmaltagem e cozedura.
Esta técnica vem substituir em grande escala o alicatado, utilizado até segunda metade século XV, em que pequenas peças de cerâmica vidrada, de diferentes formatos, previamente cortadas com um alicate, se agrupam, criando intrincados padrões geométricos. 

Este tipo de revestimento, semelhante ao mosaico, já que é composto por tacelos, peças monocromáticas de formato irregular justapostas, era de execução extremamente morosa, complexa e dispendiosa. 
Acabará por dar lugar a técnicas mais simplificadas de efeito visual semelhante, como a corda-seca, que concentra num só ladrilho quadrado, esquemas e laçarias só possíveis de executar anteriormente utilizando inúmeros tacelos.


Amostras de alicatado e mosaico romano (em baixo), expostas na Catedral de Sevilha. © CMP


O azulejo mudéjar estabeleceu-se na Península Ibérica durante o século XV, sendo que, em Portugal os registos mais antigos da palavra “azulejo” aparecem nos forais manuelinos, no início do século XVI.
Nesta época, o azulejo utilizado em território nacional era de produção sevilhana, já que, Sevilha era o maior centro fornecedor do mercado.


Azulejo de corda-seca com esferas armilares, na Sala de Dom Sebastião no Palácio Nacional de Sintra.

No revestimento da estação Rossio, Maria Keil retoma a corda-seca, utilizando a técnica ao serviço de uma geometria elementar típica da linguagem formal moderna.
As técnicas arcaicas como o azulejo de aresta, a corda-seca ou o alicatado, haviam caído no esquecimento desde o século XVII, dando lugar a novas técnicas de pintura que proliferaram durante os séculos XVIII e XIX. 

Durante a primeira metade do século XX, os revestimentos em azulejo perderam relevância, reduzindo significativamente o seu número. Nas construções das décadas de 30 e 40, orientadas pelas regulamentações do Estado Novo, os revestimentos em azulejo são muitas vezes preteridos a favor de outros materiais mais austeros.
Com os painéis do Metro de Lisboa, Maria Keil traz esta técnica ancestral para o século XX, insuflando um novo fôlego na produção azulejar moderna.


© CMP


© CMP


© CMP

As imagens acima põem em evidência as relações formais entre elementos geométricos presentes em azulejos de corda-seca, de produção sevilhana, do Palácio Nacional de Sintra e detalhes do revestimento da estação Rossio. 
Os elementos circulares de construção centralizada ou radial, em forma de estrela ou esfera armilar são assimilados dando origem a formas esquemáticas simplificadas que,  mesmo na ausência da intencionalidade de citação directa, resultam, sem dúvida, da maturação de um  passado cultural de vários séculos. 



O revestimento é composto por uma quadrícula em tons de azul e verde, pontuada por elementos violeta. 
Esta quadrícula constitui o fundo onde se inscreve, por via da corda-seca, uma trama linear de diagonais, regularmente interrompida por grupos de quatro azulejos onde figuram elementos de forma circular.  


Estudo de Maria Keil para os azulejos da estação Rossio. Viúva Lamego


Maria Keil - revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP



Maria Keil - revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP


Maria Keil - pormenor do revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP



Maria Keil - pormenor do revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP



Maria Keil - pormenor do revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP

Neste detalhe pode observar-se o deficiente tratamento e remontagem dos painéis durante as obras de requalificação e expansão das linhas em 1999. 
Vários azulejos foram danificados e trocados na remontagem, no caso acima, os quatro azulejos que compõem o círculo pertencem notoriamente a conjuntos diferentes.


Maria Keil - revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP

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2 comentários:

  1. Estive muito recentemente tanto no Palácio Nacional de Sintra, bem como passei pela estão Rossio algumas vezes, de forma que nem precisaria dizer o quanto este post é rico e ao mesmo tempo emocional para mim.
    Eu aprecio muito os painéis de azulejos das estações de metrô de Lisboa. Os da estação Campo Pequeno, que foi assunto em outro post, eu acho muito "refrescantes", não sei se me faço entender.
    Não é apenas o efeito térmico dos azulejos em si, mas o desenho e as cores, que conseguem me trazer uma certa tranquilidade, e mesmo um sorriso de canto de boca, pois me lembram pequenos balões das festas de São João no Brasil, que encantavam minha infância.
    Certamente são impressões e sensações que apenas um visitante deslumbrado, que vem de longe, seja capaz de narrar de forma tão boba, quase infantil. Não me importo, são estas as coisas boas da vida!
    abraços
    Fábio

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  2. Acredite que não são reflexões bobas ou infantis, é apenas o confortável efeito que um revestimento de parede bem pensado e desenhado pode ter sobre quem com ele convive.
    Considero os painéis do Metro, da Maria Keil, excelentes exemplos de como a boa qualidade dos espaços públicos contribui para melhorar a vida das pessoas. É pena que nem sempre seja assim...
    Mais uma vez obrigada Fábio.
    Saudações,
    CMP*

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