sexta-feira, 15 de junho de 2012

Maria Keil - Estação Parque - Azulejos do Metro de Lisboa III


Prestando homenagem à ilustradora e ceramista Maria Keil (1914-2012), recentemente desaparecida, damos continuidade às publicações dedicadas ao seu trabalho para o Metropolitano de Lisboa.

Maria Keil - auto-retrato. PUBLICO


O módulo de acesso à estação Parque será o edifício que actualmente melhor preserva a relação de complementaridade entre a arquitectura de Francisco Keil do Amaral (1910-1975) e o trabalho gráfico da sua esposa Maria Keil nos revestimentos azulejares.
A estação Parque faz parte das primeiras onze a constituírem a rede do Metropolitano de Lisboa, tendo sido inaugurada a par com as restantes em 1959. Como todas as estações do programa inicial, o projecto  esteve a cargo dos arquitectos Keil do Amaral e de Falcão e Cunha.


Keil do Amaral - Estação Parque, Metropolitano de Lisboa. Imagem publicada em Keil Amaral - Arquitecto, edição da Associação dos Arquitectos Portugueses, 1992.

Átrio da estação Parque na época da sua inauguração. Foto do Estúdio Horácio Novais (1930-1980) - Biblioteca Gulbenkian Flickr

Exterior da estação Parque, na actualidade. © CMP

Exterior da estação Parque, na actualidade, detalhe. © CMP

Exterior da estação Parque, na actualidade, detalhe. © CMP

Exterior da estação Parque, na actualidade, detalhe. © CMP


Neste edifício de pequenas dimensões, a concepção do espaço em articulação com as entradas de luz, é sublinhada por um padrão de azulejo que explora efeitos ópticos.

Maria Keil concebeu um módulo composto por triângulos, ocupando um ou dois azulejos, estampilhados a preto, verde e azul sobre fundo branco.
A diferença de escala entre as formas cria a ilusão de planos recuados ou aproximados, dando azo a uma falsa percepção de profundidade.


Maria Keil - módulos, estação Parque, 1959. © CMP




Maria Keil - aspecto do revestimento da estação Parque, 1959. © CMP



Aspecto da estação Parque, na actualidade. © CMP

 

Tal jogo de escalas havia já sido ensaiado, em 1955, no painel Pastores, pertencente à colecção do Museu Nacional do Azulejo
Nesta obra, o padrão constitui o fundo, definindo o espaço onde se situa um conjunto de figuras desenhadas a preto, o desenho a pincel é reforçado pela textura esgrafitada. O módulo é usado em dois tamanhos, de modo a criar um efeito de profundidade.
O registo figurativo enquadrado por padrões abstractos geométricos, característico da produção azulejar de Maria Keil, teria por ventura constituído a opção espectável para os revestimentos do Metro, não fosse a directiva expressa do Conselho de Administração do Metropolitano de Lisboa, no sentido de os revestimentos usarem obrigatoriamente uma linguagem abstracta. 
Aparentemente esta indicação terá vindo do Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, provavelmente para evitar o discurso de tendência neo-realista característico da obra de Keil, marcada pela representação das profissões do povo e aspectos da vida quotidiana das classes sociais mais desfavorecidas.



Maria Keil - Pastores, faiança estampilhada e pintada, Viúva Lamego, 1955. Colecção do MNAZ. © CMP


Maria Keil - Pastores, detalhe, Viúva Lamego, 1955. Colecção do MNAZ. © CMP


Maria Keil - Pastores, detalhe, Viúva Lamego, 1955. Colecção do MNAZ. © CMP



Sobre a sua produção azulejar para o Metro de Lisboa, transcrevemos abaixo um excerto da entrevista de Maria Keil a Rita Pimenta, publicada no jornal "Público", a 10 de Junho de 2012, com o título Maria Keil: Artista ou operária?.


"Fazer azulejo era desprezível
Maria Keil conta em seguida como começou a trabalhar azulejo numa altura em que era considerado um material menor. "O meu marido [Francisco Keil do Amaral] era o arquitecto do metropolitano. Quando chegou a altura de fazer os cais de embarque, o director, engenheiro Melo e Castro, disse-lhe: 'Não tenho dinheiro'."

Desolado por não querer que as estações ficassem com o chão em cimento e as paredes em alvenaria, Francisco Keil chegou a ponderar não avançar com o trabalho: "Então, eu vou fazer nove estações, a primeira vez que se faz o metro e vão ficar de cimento armado? O que é que eu faço? Eu não faço esta obra." Juntos, em conversa no atelier, ainda puseram a hipótese de usar evinel, um mosaico de pasta de vidro: "Eram aqueles quadradinhos de vidro, que não prestam para nada, sujavam-se muito, embora fosse um material lavável.



Maria Keil -  revestimento da estação Parque, 1959. © CMP


Pelo menos podíamos pôr nas entradas." Foi então que se lembraram dos azulejos. "Ele era amigo dos donos da fábrica de Lamego [Fábrica Cerâmica Viúva Lamego] e eles ficaram encantados. Não havia encomendas, era só para casas de banho. Apanhei pancada, não me pagaram nada. Não havia dinheiro, a fábrica é que me pagou como se paga a um operário. Mas, como eram muitas encomendas, ainda se fez assim um montinho [de notas]. Apanhei pancada de toda a gente. 'Ó menina, isso não se faz. Uma pintora não se rebaixa a isso.' Os pintores grandes, os mestres, não concordavam com aquilo." Ao tentar perceber-se quais as fontes de inspiração para criar os painéis, fala-nos de pragmatismo e eficácia: "A gente não se inspira assim em nada de especial, a gente mete-se no assunto, para fazer o nosso trabalho.


Aspecto do interior da estação Parque. © CMP

Detalhe do interior da estação Parque. © CMP

Detalhe do interior da estação Parque. © CMP

Era preciso revestir as paredes, não podia fazer só um bocadinho. Porque a caliça sujava-se muito." Foram anos de grande aprendizagem: "Aprendi uma coisa muito estranha. Porque é que tinha acabado o azulejo na arquitectura. Porque é que foi? Porque a arquitectura era nova, era o [Le] Corbusier, eram aqueles edifícios enormes, não se podiam revestir com azulejos. O azulejo é uma coisa pequenina e frágil, a arquitectura não comportava o azulejo. E então o azulejo caiu. Depois, como havia umas paredes baixinhas, foi um desabrochar. Uma pouca-vergonha!", conclui divertida.Uns anos depois, fez-se a segunda parte do metropolitano, com novas estações: "Nessa altura já era outra gente, já não era o engenheiro Melo e Castro. Chamaram os grandes artistas para fazer azulejo, não me chamaram a mim. Não me deram um bocadinho de trabalho deste tamanho", diz, fazendo um gesto de pequenez com os dedos. "Dantes, fazer azulejo era desprezível. Agora, é um negócio da China." "Tem de pensar que estava muito à frente", sugere a Maria Keil a comissária da exposição Ju Godinho, que pensa que provavelmente os responsáveis pela segunda fase do metro desconheciam a assinatura do trabalho da primeira fase, "não se cultiva a memória nas empresas".
Maria Keil continua: "As minhas estações não são bonitas nem feias. Mas ninguém fez o trabalho que eu fiz, revestir tudo. Fazem um bonitinho aqui, fazem outro bonitinho ali. São artistas! Mas eu não era, era operária.


Aspecto do interior da estação Parque. © CMP

Aspecto do interior da estação Parque. © CMP


Variações do padrão desenvolvido por Maria Keil para a estação Parque, foram aplicadas noutros edifícios da cidade de Lisboa.
Estes exemplares encontram-se em desaparecimento crescente, como é o caso do átrio de um edifício da Praça Marquês de Pombal, onde todo o revestimento foi recentemente destruído.

Maria Keil - azulejo de padrão aplicado na Avenida Casal Ribeiro e no átrio de um edifício da Praça Marquês de Pombal, Lisboa.  © CMP


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